O início escolar.

- Classe, atenção ! Estes dois meninos acabaram de chegar ao Brasil, e quero que sejam recebidos muito bem, são seus novos coleguinhas !

Meu irmão Juan e eu, parados na frente da classe, que nos devorava com os olhos, e nós assustados e tímidos, acho que eu um pouco mais, pois era o mais novo, e tinha apenas oito anos . A minha mãe era daquelas que não pensava duas vezes. " Lugar de criança é na escola, e ponto final" ! Ela estava certa ...!

Éramos muito diferentes, eu menor e bem loiro, como a espiga de trigo,muito tímido, quieto e de poucas palavras,lia tudo a minha volta, como faço até hoje , e o meu irmão , um pouco maior , com o cabelo negro como a crina de um cavalo, rápido de raciocínio, pronto para socar um nariz ,também não estava pra muita conversa, mas eu sentia proteção ao seu lado, pois ele não era fácil... rsrs...! Não sei se me protegia por amor, ou por ser o outro filho da sua mãe ! Acho que os dois !

- Sabem ler e escrever ? Perguntou Dna Teresinha ! Fiz que sim com a cabeça, e ela nos deu o " Caminho suave" e um pedaço de giz, para que escrevessemos o nome no quadro...a classe toda em silêncio, nos devorava...ainda nos devorava ...e eu os olhava, a cada rosto...

Escrevi o nome em letra de forma, calmamente, e depois li com firmeza, pois aprendera a ler com desenvoltura, muito melhor do que escrever, onde ainda comia alguma letra, desavisado, e necessitando correção. Já o meu irmão era um super dotado, lia e escrevia como se tivesse mais idade, e eu o,olhava com respeito e admiração.

No recreio, me escondi atrás de uma coluna, e as demais crianças ficavam nos fazendo perguntas, mas sem agressividade, e só o meu irmão respondia, e tentava espantar os mais afoitos, o que pra ele, que era forte e com mau humor, não era tarefa das mais difíceis. Me lembro de ficar olhando as meninas brincando de roda, todas de laço branco na cabeça, cantando num único som " Teresinha de Jesus", e fiquei encantado, tudo era tão diferente, um choque cultural muito grande, eu nem falava português, e acabara de chegar da Espanha ...Estava com medo , mas não apavorado, era um medo de curiosidade e timidez !

Era o ano de 1962, o Brasil ganhara a copa do mundo pela segunda vez, e nós não tínhamos nada, as vezes a minha mãe improvisava uma massinhas de frituras, feitas de farinha e também nos dava bananas,que eram muito baratas, e essa era a nossa refeição . Até hoje não como bananas, ela são o símbolo da extrema pobreza para mim, de anos de pedra , e que tenho dificuldades de narrar, embora sinta necessidade.

Não reclamavamos, pois a minha mãe nos orientava, e conversava sempre, passava firmeza, determinação e coragem, mas a ouvíamos soluçar por horas a fio, e pela porta do quarto trancado, pedir ao meu pai ,que voltassemos, que já não aguentava essa vida, e estava muito deprimida , ela não entendia o país, não entendia a reviravolta que a sua vida tivera, e as brigas entre eles passaram a ser constantes ,e nós perdidos, totalmente...entendendo menos ainda !

Na volta da escola, que ficava no alto da colina, vínhamos cortando caminho por chácaras, pegando frutas dos pés, como jaboticaba, goiaba, mexiricas,pitangas...e brincando com as demais crianças, e cachorros que vinham alegremente se juntar a nós, e naqueles momentos, tão lúdicos, vínhamos sem perceber, decifrando o Brasil, e a sua magia.

Por falar em cachorro, a" Bolinha", que era da vizinha, se encantou comigo, e eu com ela, e nos tornamos bons amigos, e quando saia da escola, formava uma concha com as mãos, e gritava o seu nome do alto da colina, na porta da escola, e ela vinha correndo, e correndo...e eu a via dobrar as ruas, e vinha com a máxima alegria , para depois voltar em torno da criançada, era lindo ! Uma vez entrou na classe, e ficou debaixo da minha carteira, bem quieta, e eu não disse nada , mas a risada das outras crianças a denunciaram, e fomos expulsos, obrigado a sair entre risadas da molecada ! Eu falei para Dna Teresinha que a cachorra não era minha, mas não houve acordo ! A minha atual cachorrinha , Susi, é igualzinha a Bolinha, do mesmo tamanho e pelame, e acho que a peguei da rua exatamente por uma memória afetiva, e cada vez que a pego no colo, também estou recolhendo um pedacinho da minha infância.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 01/03/2015
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