RIO QUE ENCANTA E ESPANTA

"...dia de luz, festa de sol, um barquinho a deslizar, no macio azul do mar..."

Sensação térmica 50 graus à sombra, plena manhã de verão de uma segunda- feira quando, "Paulinho pé descalço", sem camisa, sem escola, sem trabalho, sem carteira de trabalho, sem noção, sem sossego, sem escolhas, sem pai nem mãe, sem dinheiro algum, esboça um amarelado caco de dente em seu sorriso sensação, encontra-se com seus únicos e leais amigos, "tatuado", "Olha pra mim", e "vaidosa".

Todos, a cara do Rio, à beira da praia e à beira da miséria, não perdem tempo e racham o primeiro e único naco de pão. O encontro poderia ser falar da falta de oportunidades, das contas a chegar, da vida alheia, das cobranças da luz do sol e da sombra e água fresca, mas não, estão preocupados em conseguir de modo honesto algum money para comprar ingressos para ver aos feras da música brasileira, quando de repente, mas que de repente, o que aparece, o que aparece? Andando bem ali adiante na areia fofinha da praia?

"Você não soube me amar, você não soube me amar..."

O próprio, o esperado, o grande cantor e compositor..Evandro! Evandro! , os quatro correm esbaforidos a gritar ao encontro do cantor...com suas costelas expostas, suas peles negras e brilhantes...

Ao longe um agente secreto observa e localiza a cena e imediatamente: Capataz! capataz!, bravo, eco, fox...aqui uno two seven...tem três suspeitos correndo de modo sinistro ao encontro do cantor Evandro Mesquita...é ...é o Evandro sim, corre lá e dá uma dura. Bora. Vai. É uma ordem.

Na areia os quatro são imobilizados e algemados até que se conte uma estória convincente.

"Mas nós somos inocentes, a gente só queria..". - falou em desespero Paulinho pé descalço.

-" você tem o direito de permanecer calado e tudo que disser poderá ser usado contra você" - interrompeu em alto e bom som o agente secreto em secreto serviço.

..." você não soube me amar, você não soube me amar" - longe ia se dissipando e se misturando ao sabor do barulho das ondas e das buzinas da movimentada avenida a canção de Evandro, logo mais a frente surgia Zeca também cantando: "Deixa a vida me levar, vida leva eu...deixa a vida me levar"...ambos seguiram sem camisa, pés descalços ao sabor do vento. Sem lenço e sem documentos.

Enquanto um carro de som passava vagarosamente entoando uma linda melodia..."...dia de luz, festa de sol, um barquinho a deslizar, no macio azul do mar...e o barquinho vai e a tardinha cai..."