Papo de lagartixa

Já fui chamado de calango e lagartixa em razão de minhas pálpebras grossas, aparentemente pouco compatíveis para um clérigo que só pensava naquilo - e em latim, sim. Mas me consolava com o próprio reitor, Hilton de nome, aquele severo monsenhor, de pálpebras ainda muito mais grossas e que chegara àquelas sumas alturas que cheiram a incenso, penso. E nem dispenso.

E agora, quarenta e tantos anos depois, quatro boas décadas de vida profana, eis-me sendo contemplado, do teto, por uma lagartixa! Passeia pra lá, pra cá, faz algumas travessurinhas para me mostrar sua destreza, mas parece mais é curiosa de minha presença cá nesta Granada caribenha que o Criador criou, e caprichou.

E enquanto busco uma razão para me concentrar no trabalho, ou pelo menos na tela do computador, ei-la que não deixa de me fitar. E inda há pouco, pra meu pasmo extasiante, não é que ela inflou o papo amarelo, superdimensionado pra seu pescocinho pelado.

Nunca havia visto papo de lagartixa em parte alguma do mundo. E estufado, exibe certa luminescência. Será algum sinal? Reconhece-me como de sua espécie? Será que tenho um papo tão bonito assim, também, e dele ainda não me dei conta? Ou, conversa mixa, é puro papo de lagartixa?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 28/02/2015
Código do texto: T5153146
Classificação de conteúdo: seguro