Caminhoneiros, greve e alzheimer social
 
          Os jornais de 27 de outubro de 1972 que não foram queimados nos relembram que caminhoneiros, sob o comando do “líder sindical” Leon Vilarin, recebendo vantagens e maletas de dólares, enfileiraram seus veículos ao longo do montanhoso Chile, onde quase só rodavam transportes de quatro rodas ou de dezesseis das compridas carretas; parados, não distribuíam combustível, nem alimento à população. Imaginávamos vagões, trens estacionados numa interminável fila... Estava decretada a greve que tinha como objetivo aborrecer a população, irritá-la, deixá-la sem combustível, sem alimentação; paralisar a indústria; enfim, desestabilizar o então governo de Salvador Allende.
          As razões dessa histórica greve vinham do exterior: era preciso retomar “as indústrias básicas do país” que antes estavam nas mãos do capital estrangeiro, como as empresas do cobre chileno. Como suportar “riquezas naturais” nas mãos do Estado que ainda controlava “30% do crédito, 85% das exportações e 45% das importações”?  Conforme interesses estrangeiros, urgia parar a política de nacionalização e todo o crescimento do PIB, já aumentado em 8% no ano anterior. Enfim, às caladas da noite, o complô se movimentava para retirar do poder o governo democraticamente eleito de Allende. Dava ordens a “Intelligence Agency”: “É preciso, a todo custo, evitar uma nova Cuba na América Latina”, o que se dizia também, em 1964, por aqui...  Além dos caminhoneiros e da oposição a Allende, “as forças ocultas” contavam com o braço armado sob a liderança de Pinochet que, em 1973, bombardeou o Palácio de La Moneda (1805) e metralhou  o Presidente Allende. O golpe estava dado, então os caminhoneiros voltaram às suas casas ou ao trabalho e instalaram-se longo período de arbítrio (16 anos), falta de liberdade, perseguições, torturas e, com mão de ferro, o retorno dos tempos ditatoriais.
          Mesmo ultrajada por muitos golpes, a Constituição do Chile veio a exercer forte influência junto ao povo politizado daquele país, que obriga o ou a Presidente eleita “manter a independência da nação e defender e fazer ser defendida a Constituição e as leis”. Pela vontade popular, batendo em retirada Pinochet, foi eleita e reeleita a ex-aliada de Allende, a primeira mulher presidente do Chile, Michelle Bachelet, então perseguida, presa e torturada por Pinochet. Hoje, e agora, é a Presidente, ela e os chilenos não temem o retorno daquele passado, sinalizado pelo fantasma da “greve dos caminhoneiros”... Que disso os proteja o poeta perseguido, “engajado” chileno, amigo de Allende, Pablo Neruda, com poemas sobre a liberdade e a independência da sua nação...