Gente Etiquetada
As pessoas deviam vir etiquetadas: essa presta, essa não presta. Li esta beleza em meio ao festival da filosofia pretensamente bem-humorada que pulula pelas Redes Sociais. Coisas que desfilam pelas nossas retinas distraídas, mas essa aí, os olhos capturaram, não teve jeito, fiquei pensando...
Fiquei pensando, sim. Como seria se vivêssemos num mundo de gente etiquetada? Será que seria mais fácil? Então, era só ir lendo e ficar por dentro do esquema: essa presta, essa não... De um lado joio, do outro trigo, e pronto. Porque de acordo com o conselho não haveria meio-termo. De um lado os bonzinhos, do outro os mauzinhos .
Os bonzinhos, é claro, numa clara demonstração de inteligência, a gente iria arrebanhando pro nosso lado. Iam ser a nossa turma, nossa tribo. E viveríamos felizes para sempre até que a morte nos separasse. Imagina que beleza pra se eleger os cônjuges, os vizinhos, os amigos, os patrões, os empregados... O céu!
Quanto aos mauzinhos! Ah, esses a gente correria um sal, como diria minha avó, logo de cara. Quem quer ter junto a si, gente que não presta? Você quer? Eu não. Estes seriam banidos do nosso convívio social, atirados aos porcos, limitados aos chiqueiros de onde nunca deveriam ter tido o atrevimento de sair.
Bom, dividido o mundo em metades distintas, era só viver em paz, com alegria, segurança e tranquilidade. Cercados de gente boa, não seríamos vítimas de traições, calotes, assassinatos, roubos, estupros, maledicência, tocaias, violência doméstica e mais uma chusma de atos hediondos que nos roubam a paz no dia a dia. Santa inocência! Como se pudéssemos criar uma ilha de bondade, nos limitarmos ao estritamente confiável e ignorar completamente o lado do mal.
Imaginar um mundo assim, só é possível mesmo na imaginação. A começar pelo começo de que não conhecemos nem a nós mesmos. Que dirá estabelecer quem pode ser bom ou ruim. Conta dos autos de quem criou o homem que este já veio com dois lados bem definidos: um de luz, outro de trevas. Não sei se procede. Porque há também a teoria de que somos, antes, uma mistura conflituosa de bem e mal, o tempo inteiro.
Outra coisa, soluções simples não existem. Ainda que as filosofias de gavetas as alardeiem como sendo. Viver é muito mais complexo. Pensando bem, acaso resolvam um dia etiquetar nossas testas com essa presta e essa não presta, qual será sua etiqueta, minha etiqueta, afinal? Quem colocaria o selo de garantia na hora das plaquinhas? Ao que se sabe, Dona Verdade Absoluta fugiu de casa desde sempre e até hoje não se tem notícia da foragida. E sem a nobre dama fica custoso nomear quem presta e quem não presta. Ou será que teremos que providenciar também uma etiqueta de Verdade Absoluta e pregar na testa de quem responda por dela?