Comédia Romântica
Tudo teve início há algumas semanas atrás, porém, não sei dizer ao certo quando semelhante sentimento começou a absorver-me. Resolvi fazer uma retrospectiva da minha patética vida, voltar no tempo e tentar compreender porque sou tão caipora nesses assuntos do coração.
Acho que foi mais ou menos por volta de 1989, meu primeiro dia na escola. Mamãe acompanhou-me até ao calvário. Durante vários meses passei por uma intensiva preparação para aquele momento, todavia, não pude resistir. Entregue às incumbências da professora Joana (tia Joana), abri o berreiro. Não queria ficar ali por nada. Pendurei-me feito um Orangotango na maçaneta da porta, gritando: mãe! mãe! não me deixa aqui! volta! Mas meus esforços foram infrutuosos. Daí veio na minha mente a imagem do Mickey, meu cachorrinho, separado da família com apenas três meses. Naquele instante entendi porque ele chorava tanto nas primeiras noites em sua nova morada. Depois cheguei a pensar que havia sido abandonado por causa da jarra espedaçada no último domingo. Mas como isso podia ser possível? Aliás, já tinha ganho a correiada correspondente. Tais pensamentos aturdiram-me durante toda a tarde, não obstante, minha tia vera surgiu para apartá-los assim que fomos dispensados.
No terceiro dia de aula, um pouco mais calmo, consegui atentar para as outras crianças ao meu redor. Lá estava ela na primeira carteira próxima à entrada, com seus traços primorosos e longos cabelos castanho-escuros cacheados. Apesar dos desencontros da vida, hoje assemelho sua perfeição à musa inspiradora do poeta Castro Alves, Eugênia Câmara. Dessa forma imagino que tenha vencido os anos. Na ocasião não soube explicar o motivo daquele friozinho na barriga. A Ana Paula Andrade era demasiadamente bela. Sua risada argentina, facilmente discernida das demais volatas que resplandeciam a classe, eclipsava toda a consternação existente em nossos espíritos pueris.
Certa vez, cheguei mais cedo ao liceu. Mamãe marcara hora com o dentista, por essa razão, saímos às pressas de casa. Os corredores vespertinos estavam assustadiços e temerosos, devido ao silêncio que os possuía feito a brisa noturna ofuscando as luzes da cidade. Entrei acreditando ser o único aluno presente, entretanto, chegando na sala avistei minha Eugêninha. Como era estudiosa! Pensando bem, não conheço nenhum caso de reprovação na primeira série. Fiz cabisbaixo o percurso até minha carteira. Sentava na fila formada sob a janela, num dos últimos lugares. Sempre odiei ser o primeiro. Ficava me escondendo atrás do colega da frente quando a professora fazia alguma pergunta. Se fosse o primeiro, atrás de quem iria me esconder? Teria que contornar minhas balbuciações, ou então, agüentar as prazerosas casquinadas dos meus companheiros. Isso eu não queria. Como dizem atualmente: "Queima o filme". Queimaria mais ainda naquelas circunstâncias.
Assim que sentei, ela levantou-se. Veio caminhando na minha direção com uma folha nas mãos.
-"Ficou bonito?"
Era um esboço deixado como tarefa na aula anterior. Meu coração imediatamente tratou de apertar o rec. Jamais esqueci aquelas palavras. Talvez tenham sido as primeiras que ouvi dos lábios de uma mulher.
-Si si si sim, eu gostei!
Respondi. Todo bocó! Se conhecesse o Van Gogh naquela época, escolheria aquele desenho ao invés de "O Caminho de Ciprestes".
Depois desse dia, passamos a conversar com uma certa freqüência. Trocávamos elogios. Ela elogiava minha merendeira do Pato Donald e eu os rabiscos que ela fazia. Como tornaram-se agradáveis aquelas tardes! Já não precisava gangorrar na maçaneta da porta feito um doidivanas. Ao contrário, os piores dias para mim vieram a ser o sábado e o domingo, porque não encontrava minha pequena Eugênia.
Foi numa festa junina, meus caros leitores. Por influência de um misterioso pé não consegui participar da quadrilha. Brincava com alguns amiguinhos de "pique pega" quando de repente, tibum! Levei o maior tombo. Graças a Deus só arranhei um pouco os joelhos, Santa poça de lama! Em compensação, o mesmo lamaçal que salvou-me de escoriações mais sérias, impediu-me de dançar com a Eugêninha. Até fui em casa trocar de roupa, mas não deu tempo. Ao regressar já haviam dançado. E logo quem a teve em seus braços, o Alisson Pé d'água, que vivia amarrando um pequeno espelho nos sapatos para ficar olhando a calcinha das coitadas. Mas não desanimei. Ansiara tanto aquela solenidade! Ali pretendia revelar a ela meus sentimentos. Quase na hora de ir embora, tomei coragem e a chamei próximo aos banheiros, -o único lugar com menos gente. Que decepção! Ela preferia o Alisson. Ainda riu do episódio da poça.
Desde essa data tornei-me um assíduo colecionador de "foras". Mas não dizem por aí que a esperança é a última que morre? Lá vou eu outra vez. Estou perdidamente apaixonado pela loirinha da pizzaria que fica a algumas quadras donde moro. Não há mais dúvidas. No entanto, recuso-me a aceitar como platônicos meus sentimentos. Percorri inúmeras bibliotecas atrás da obra "O Banquete", do então filósofo grego. Obtive a seguinte conclusão: Amor platônico é um preconceito da alma dos covardes.
Barbosa, Lauro Gabriel
Crônicas/Lauro Gabriel Barbosa. - 2006.