100 % Negro

O teste foi feito por pura brincadeira. Nem por um momento, ele acreditava naquele papo de genética que estava estampado em todos os jornais e revistas sobre negros e brancos; mas ele precisava ver pra crer e foi fazer um teste de DNA; maldita foi a hora que tomou essa decisão. Ele era "100% negro" e gritava isso com orgulho em suas músicas e na camiseta que usava em seus shows. Era afro-brasileiro, favelado, pobre, que fugira das drogas em nome da arte. Gostava de contar nos shows como escolhera o caminho da música

enquanto muitos "outros manos" acabaram mortos sob a bandeira do tráfico. Tinha orgulho da sua origem, da cor da sua pele, mas aquele exame poderia colocar tudo a perder.

85% de descendência branca? Como assim? Tudo bem que sua mãe era mulata e seu avô que só conhecia de foto era um pouquinho mais claro; mas e os genes do seu pai, aquele "negão de 02 metros"? Não! Deveria ser algum engano. Alguma conspiração da elite branca para convencer o mundo sobre a supremacia européia. Deveria ser engano, como 85% de descendência branca poderia ter resultado naquela pele 100% negra que ele tinha. Não! Deveria ter alguma explicação.

Se isso fosse verdade, toda essa idéia de "raça" iria por água abaixo. Todas as idéias que ele defendia com unhas e dentes em suas músicas, passariam a soar hipocritamente falsas. Todo o conceito de raça branca, negra ou amarela seria a prova final da ignorância humana em relação ao mundo em que estão inseridos. Se isso fosse verdade, não havia mesmo diferença entre branco e preto e absolutamente todos seriam iguais.

Não poderia ser! Ele precisava rasgar o exame, precisava fingir que aquilo nunca acontecera. Aquele teste de DNA nunca ocorrera de fato. Ele continuaria 100% preto; continuaria cantando a história das comunidades pobres e negras; ele continuaria brigando pelos direitos da minoria negra que sempre foi oprimida pela sociedade. Afinal, as coisas deveriam permanecer como são, tudo no devido lugar; onde já se viu preto branco ou branco preto? Seu filho que estava pra nascer seria a prova da sua negritude; um atestado da sua herança africana...mas e se... não! Era melhor nem pensar sobre isso. Seu filho nasceria pretinho que nem ele e ponto final.

Frank Oliveira

Pretinho, nordestino, que saiu de uma infância pobre, filho de pai negro e mãe branca e feliz da vida, por morar no único país do mundo, onde ele e tantos outros provam através da pele que racismo é pura ignorância.

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