LUTANDO À MINHA MODA
Visando a melhorar a educação em nosso país, no início do seu segundo mandato (1998), o Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) instituiu o Exame Nacional de Ensino Médio, conhecido pelo acrônimo “Enem”. Para ele se inscreveram 157,2 mil estudantes, dos quais apenas 115,6 mil participaram. Muitos se lascaram de verde e amarelo, pois diferentemente das provas a que estavam acostumados (as que cobram exacerbadamente o funcionamento da memória), eles se depararam com questões longas, que exploravam as capacidades de interpretação e de raciocínio.
O principal objetivo do Enem é avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania. Desde a sua concepção, porém, o Exame foi pensado também como modalidade alternativa ou complementar aos exames de acesso aos cursos profissionalizantes pós-médio e ao ensino superior.
Na verdade, o Enem busca saber se, ao longo da educação básica, o aluno desenvolveu 5 competências (Domínio de linguagens, Compreensão de fenômenos, Enfrentamento de situações problemas, Construção de argumentações e Elaboração de propostas de intervenções solidárias), além de 21 habilidades, dentre as quais eu ressalto três: inter relacionamento de linguagens, compreensão de variantes linguísticas, e compreensão de diferentes pontos de vista.
Graças à isenção do pagamento da taxa de inscrição para os alunos da escola pública, ao apoio das Secretarias Estaduais de Educação, das escolas de ensino médio, e à instituição do Prouni (2004), que vinculou o exame à concessão de bolsas em instituições de ensino superior; a prova se popularizou tanto que na última edição nada mais que 9.519.827 pessoas se inscreveram para ele (das quais 182.333 eram capixabas), mas apenas 6.193.565 pessoas se submeteram aos exames.
Quando obtivemos os resultados do Enem 2014, vimos, com tristeza, que 529.373 mil estudantes tiraram nota zero na redação. Os motivos foram diversos: mais de 13 mil copiaram textos motivadores da prova, mais de 7 mil escreveram menos de sete linhas, mais de 4 mil fugiram do tipo textual, mais de 3mil tiveram trechos incoerentes com o contexto, 955 feriram os direitos humanos e outras 1.500 zeraram por outros motivos.
Os corretores das redações tinham que analisá-las sob os seguintes pontos de vista: compreensão da proposta; capacidade de selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fato, opiniões e argumentos de defesa de um ponto de vista; domínio da norma padrão da língua portuguesa escrita; conhecimento das ferramentas linguísticas necessárias para argumentação e elaboração de proposta de intervenção ao problema abordado, respeitando os direitos humanos.
O que a imprensa não chegou a divulgar com a mesma ênfase foi a notícia dada pelo jornal Folha de São Paulo, via a Lei de Acesso à Informação: em 2013, dos 7.121 avaliadores das redações, 845 foram excluídos durante o processo de correção dos textos por não apresentarem uma nota de desempenho superior a 7 (escala de 0 a 10).
Isso mesmo, meu leitor! Você entendeu certinho!! A origem do problema não está apenas em quem teria de demonstrar que aprendeu, mas pode estar, também, em quem deveria saber ensinar!!. Presumo, contudo, de que, no caso específico dos resultados das redações do Enem 2014, a raiz possa ser outra: meus colegas letrados souberam ensinar, mas seus alunos não gostam de ler e, portanto, não tiveram vocabulário e nem ideias para articular.
Nesse ponto vejo uma razão para as infelicidades que temos vivido, decorrentes dos atos espúrios cometidos por empresários canalhas, apoiados pela escória política: os nomes de seus eleitores devem estar entre os reprovados do Enem 2014. Digo isso porque penso que esses resultados revelam o perfil de grande parte dos brasileiros: não gosta de ler, não tem ideia própria, não sabe pensar e não sabe escolher. Talvez por isso, muitos ajam nas urnas, no Facebook e em qualquer lugar, como “Marias vão com as outras”, aliás, o que realmente são. Como acéfalos, eles não percebem que seus atos são irresponsáveis e inconsequentes, ignorando que os seus efeitos podem ser coletivamente nocivos.
Sei que vencer essa batalha não é fácil, e evidências disso são a quantidade de leitores de textos similares a este, e de comentários a eles pertinentes. Mas, isso não me acovarda, apenas me fortalece para, à minha moda, a luta continuar.