Da dor...
Desolada olhou o mar lá embaixo. Por tanto tempo tudo aquilo lhe fora o suficiente... por tanto tempo e continuaria sendo. Continuaria sendo, porque o amava e porque o queria sempre ao seu lado. Sempre- haviam prometido. Sempre- ela havia acreditado... e agora não sabia o que fazer. Não sabia, porque achava que amores como aquele, tão intensos e tão fortes, não terminavam. Acreditava que fossem tão profundos quanto aquele mar. Tanto que jamais poderiam mergulhar tão fundo a ponto de chegar ao fim.
Fim... aquela palavra pequena, pesada, compacta ficava ecoando em sua cabeça. Um eco que doía e que não queria ouvir. Um eco tão oco, quanto o vazio mais profundo que jamais sentiu em toda sua vida. Três letras, que mais pareciam o alfabeto inteiro embaralhado em sua mente e atingindo seu coração, como mil flechas certeiras, lançadas pelo melhor arqueiro da tribo. Quanta bobagem era capaz de pensar! Poderia rir de si mesma em outras circunstâncias, mas hoje era impossível fazer qualquer outra coisa que não chorar. Aquele alfabeto inteiro girando em sua cabeça lhe fazia querer vomitar. Vomitar o que sentia. Vomitar aquela dor. Vomitar aquela realidade. Vomitar aquela vida, que não planejara e não queria para si. Não aceitava que fosse sua. Não era! Não iria admitir.
Rapidamente sua cabeça voltou a pensar nele. Onde estaria e o que estaria fazendo agora? Mal havia anoitecido... quantas vezes viram o sol se deitar de cima daquelas rochas. Quantas vezes viram dali ele nascer também. Quantas vezes andaram por aquelas areias e pertenceram um ao outro, como aquela praia pertencia aquele mar. Como o poema mais bonito que alguém já fora capaz de escrever. Como a música mais bonita que ele já sussurrou em seu ouvido. Como a mentira mais necessária que alguém precisa ouvir. Ouvir pra não morrer, pra não sucumbir...
Pegou o celular na mão e tentou ligar pela enésima vez sem sucesso. Será mesmo que ele jamais voltaria a lhe atender? Será que agora seria pra sempre assim? Sempre. Estranhos para sempre, como se nunca tivessem sido nada do que foram... estranhos, como se o passado jamais tivesse existido... como se tivesse sido um sonho? Será que ele poderia ser assim tão cruel com ela? Ela a quem ele jurou tanto amor. Ela com quem planejou viver o resto dos dias. Ela por quem lutou. Ela quem cativou. Como naquele conto do pequeno Príncipe e da raposa... será que ele não tinha lido "que tu te tornas ETERNAMENTE responsável pelo que cativas"? Será que agora simplesmente era assim e ele não estava mais nem aí para o que ela sentia ou deixava de sentir???
Doía demais, meu Deus! Doía demais e parecia que ia rasgar seu coração. E parecia que ia morrer ali mesmo. E poderia mesmo morrer, porque mais nada tinha sentido. Se era para ser assim, melhor acabar para sempre. Se os amores tinham que obrigatoriamente ter um fim melhor que ela tivesse seu final também. Não queria mais continuar. Não tinha mais porque continuar... sentiu-se estupida e sentiu-se egoísta. Lembrou de sua mãe e sua família, seus amigos, as pessoas que gostavam dela de verdade. Que ainda gostavam dela... bom essas pessoas não mereciam toda aquela ingratidão, mas poxa vida, será que dava para entender que ela estava completamente tomada por aquela dor e tanto que não queria continuar se era para sofrer daquele jeito! Será que da pra respeitar? Qualquer coisa dela se foi junto com ele e jamais voltaria. E isso não é só uma despedida, uma coisa natural. Ele tinha assassinado para sempre uma parte importante de seu coração. Tinha jogado no lixo, tinha pisoteado, tinha... tanto faz! doía de mais...
O celular apitou. Ajuntou-o ofegante. Haveria sempre a esperança... não era ele. Era uma amiga, que devia estar preocupada, pois há quase 24 horas não aparecia no apartamento em que moravam. Não queria conversar. Mas também não queria preocupar ninguém. Mandaria uma mensagem depois. Precisava ficar sozinha. Afinal de contas era isso o que era, uma pessoa sozinha. Sozinha e partida ao meio, o que era pior.
Faltava uma metade sua. Faltavam-lhe as forças.
Olhou mais uma vez para o mar lá embaixo, à frente, dos lados, até onde os seus olhos eram capazes de enxergar. Uma lágrima quente escorregou por seu rosto, depois vieram mais e mais lágrimas. Não paravam de cair. Tentou esconder o rosto nas mãos. Soluçava.
Imaginou seu corpo lá embaixo... o mar batendo nas rochas. Tentou imaginar a sensação da queda. Sentiu o vento acarinhar seu rosto. As lágrimas foram secando. Abriu os braços e sentiu toda liberdade envolver seu corpo. Encheu os pulmões pela última vez. Não havia ordem, as coisas aconteciam rápido. Sua alma estava plena de si mesma. Tão plena e tão cheia que começava a lhe sufocar. Um sufocamento real, físico. Abriu os olhos assustada. Olhou tremula para todos os lados. Teve medo de estar ali sozinha aquelas horas da noite. Teve medo de estar sozinha para sempre. Teve medo de que acontecesse algo e ela não tivesse mais tempo. Teve medo que não acontecesse e tudo ficasse "bem". Teve medo... todos os medos do mundo, todas as dúvidas e todo vazio, toda a dor. Só não teve coragem.
Olhou outra vez lá embaixo... devia haver uma razão para aquilo tudo estar acontecendo e talvez um dia ela fosse capaz de compreender. Sua vida devia ser maior que aquilo, ainda que não parecesse naquele momento. Devia haver algum sentido. E se não fosse isso, que fosse o que tivesse que ser. Afinal de contas, se não fosse valer pelo futuro que teriam pela frente, que valesse por tudo o que tiveram até ali. E que Deus permitisse que a vida pudesse voltar a ser outra vez tão linda, quanto fora ao lado dele.
Era só o que esperava dali para frente, ainda que não acreditasse muito...