BAILE DE MÁSCARAS
"ai que calor ô ô ô , ô ô ô!"...
"Tomara que chova três dias sem parar"...
Carnaval de dois mil e quinze e eu escrevo simplesmente "porque hoje é Sábado".
Curiosamente o Carnaval das clássicas avenidas do Samba brasileiro, incomparável " master maravilha contemporânea do mundo", hoje se confunde com certo "ar de estilo retrô", algo em discreto prólogo, num resgate cultural das marchinhas carnavalescas de antigamente; e pelas ruas dos bairros das grandes cidades, blocos diversos trazem os pierrots apaixonados que insistentemente procuram pelas suas Colombinas e, só momentaneamente, a única violência urbana de que se tem notícias é a guerra de confetes sobre os rivais arlequins.
Poeticamente, talvez, a encenação da guerra "do e pelo" amor de antigamente, a única que dizem valer o vale tudo da vida, a única guerra que poderia fazer sentido entre nós.
Penso que de tempos em tempos e pelos tempos incorporamos a necessidade de voltarmos às origens dos sonhos e das máscaras que vedam nossos olhos às realidades pungentes.
Precisamos respirar um pouco...
Não que eu tivesse vivido a época carnavalesca lírica das melindrosas espivetadas da segunda década do século passado, tampouco os bailes de carnavais cuja única ousadia sensual era no máximo a sedução de se tentar descobrir quem estava por detrás das belíssimas e grandes máscaras que protagonizavam o glamour dos carnavais venezianos, a deslizarem sobre as gôndolas da cidade turística, artísticas e únicas nas cores e nas propostas mágicas; muito menos vivi a ingenuidade das nossas remotas ruas carnavalescas daqui, dos bailes dos salões, aqueles da "antiqua Sampa da garoa dos chás", hoje já sem água e sem tudo.
Destarte, todo o lirismo ingênuo era bem distante da era carnavalesca de hoje, da tecnologia atual do "carnaval empresa" que vende a vaidade aos diversos pódiuns, inclusive dos que já ultrapassam fronteiras do mundo, a preços estratosféricos, comércio da grande arte com a incomparável ginga sincrética afro-latina do nosso samba no pé.
Bem, é sempre do suor do pé alheio que se faz os carnavais da humanidade, e tal não é novidade alguma para ser enredo de escolas de samba muito menos de crônicas em pleno e alegre Sábado de Carnaval.
Todavia, o carnaval do Homem se agigantou pela TERRA: as máscaras do hoje são incontáveis e no nosso perene baile, dança quem pode, e obedece aos tantos rítmos apenas os que não tem consciência da festa pagã, juízo já suficiente para se ser momentaneamente feliz.
O Carnaval, até onde se sabe, é a festa mais multi-disciplinar e democrática do mundo, reune tecnologia, ciências e artes incontáveis, a colocar todos numa única arquibancada social de sonhos e fantasias prementes de existência com foco e notoriedade, mas, frente às tantas avenidas dos bailes de máscaras que ultrapassam o entendimento do mais arrazoado senso de prioridades fantasiosas, seguimos todos enganados pelas avenidas dos sonhos a tentar, na quarta feira de cinzas, recolher os cacos sob os desvendamentos dos rostos por detrás das máscaras que nos conduzem por falsos castelos, como gado obrigado e feliz, pelos bailes surreais das avenidas da vida.
Nos dias de hoje não é mais o amor do Pierrot pela Colombina que seduz os passos pelas tantas avenidas da história carnavalesca da humanidade.
Os arlequins estão armados por todos os lados com as armas mais potentes e contagiosas do mal implementado ao longo do tempo.
O carro alegórico dos poderes disfarçados de "alegorias das mil maravilhas mal intencionadas", escondem suas máscaras falaciosas sob suas fantasias de luxo, todas elas financiadas pelos escusos acontecimentos da História de perplexidade, a que sempre se repete entre Homens cada vez mais desumanos.
Oxalá a desumanidade fosse só fantasia.
Por aqui é nítido que muitas alegorias já despencam esfarrapadas antes mesmo da quarta feira das cinzas.
No entanto, ainda é preciso muito Carnaval para que suportemos e nos conduzamos com certa harmonia capenga, essa da vida moderna, para a apoteose das tantas vitórias sociais duvidosas.
E dentre tanta euforia pagã, os falsos deuses de pódiuns ilusórios carcomidos despencam pelo balanço dos ventos e dos raios, configurando nitidamente as festas alucinógenas dos mascarados, que pelos dias de hoje são a batuta do "abobamento coletivo dos eternos carnavais".
Mas, como se diz por aí, toda fila anda e até a fila do "baile das ilusões" nunca pode parar.
Som na caixa da bateria que o enredo é forte.
Na ala dos robôs cegos, ou na dos palhaços contentes e obedientes, sigamos a dançar no melhor rítmo que nos seduz ao estandarte de simplórios sobreviventes, aqueles que jamais desvendarão os destinos que nos levam os tantos bailes das máscaras maquinadas.
E para seguir no meu baile, só para recordar uma marchinha "modificada no tempo verbal", uma que dancei muito quando adolescente:
"Atravessamos o deserto do Saara, o sol esté bem quente e já queima a nossa cara".
Ratificando minha crônica: sim, o carnaval é, sem dúvida alguma, a maior expressão popular e figurativa do nosso sempre atual baile da vida.
Muitas máscaras frenéticas nas avenidas que rumam a lugar algum...
Com perdão pelo realismo carnavalesco e literário.