A La Ursa
 
          Desde o início deste fevereiro, logo após o posto da Petrobras, na Avenida Tancredo Neves, dança uma La Ursa, vestida com tecido felpado de preto; por seus movimentos rápidos, fagueiros, deve ser um jovem travestido de urso, aguentando, pela cor da fantasia, calor e suor; ao seu lado, um menino dos seus sete anos, sem ritmo, com um pau, bate uma lata de querosene.  Sob o sol causticante, os dois anseiam que algum carro lhes pague qualquer moeda por aquele sofrido esforço de nos avisar o carnaval. Dançam, quando o sinal fecha; protegem-se na estreita calçada, quando o sinal abre. Não sei se brincam ou trabalham...
          A La Ursa me reporta aos tempos de criança, em Pilar. Nas manhãs de carnaval, divertia-se aquele espantalho pela Rua José Lins do Rego, acompanhado por meninos formando um bloco; todos do meu tamanho, da vizinhança da La Ursa, cuja alegria me tirava o medo daquele disfarce.  Só o papangu era temido pela brecha da janela, visto como gente má com máscara de terror, às vezes, do próprio satanás. Um carnaval simples, sem pompa, sem cortejo, mas carnaval... Tais coisas fugiam da rotina do interior, substituíam os desconhecidos desfiles cariocas, não transmitidos pelo radio, apenas contados por Cícero da Una; falador que sempre procurava emprego no Rio, mas de lá voltava de mãos vazias, somente com roupas e fatos bem diferentes dos costumes pilarenses. Isto reunia curiosos debaixo do fícus, em frente à loja do meu pai Inácio, para ouvirmos as proezas de Cícero; hoje, comparo-o a um Sancho Pança a propagar a metrópole carioca, quixotesca, desfazendo  costumes em desuso, a título de avanço...
          Tenho aprendido que, ora para pior, ora para melhor, os costumes mudam... E em torno disso, observo reclamações de que “o carnaval está se acabando”, sumindo das ruas, tornando-se mais evento para turista do que divertimento para o povo. Substitui-se, nas conversas, “vou brincar o carnaval” por “ vou passar o carnaval”, o que significa gozar os feriados ou viajar durante esses três dias carnavalescos... Enfim, a cultura não morre, devém estática; apenas seus cultivadores falecem ou deixam de usá-la, de transmiti-la a outras gerações, interrompendo sua continuidade. Se cultura não morre, carnaval, também não. Talvez a La Ursa, no sinal de trânsito, atropelada por carros que não têm tempo, nem curtem nosso tradicional carnaval.  Ao nosso arredor, nem tudo está morrendo...