CONSCIÊNCIA CIDADÃ

De acordo com o preâmbulo da nossa atual Constituição, o salário mínimo deveria suprir as necessidades básicas do ser humano, incluindo lazer. É evidente que a realidade do povo brasileiro não corresponde ao que está registrado em nossa Carta Magna. Apesar de tantas lutas, nosso país não vivenciou, em plenitude, o ideário de justiça social que se prenunciava, a partir de uma abertura política (1984), após 21 anos de um regime ditatorial, e de uma Constituinte (1988). A expressão “Brasil Inconcluso”, do historiador gaúcho Décio Freitas (1922-2004), sintetiza, com muita propriedade, a história do nosso país. Ao longo do tempo, o Brasil teve sete Constituições: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.

A primeira Constituição (1824), outorgada por D. Pedro I, considerou cidadão, com direito à participação política, os que possuíam renda. O voto censitário excluiu a maioria da população, pobre e analfabeta, do processo político, em um país cuja base econômica, por quatro séculos, foi o latifúndio e o braço escravo.

Proclamada a República (1889), foi promulgada a nossa segunda Constituição (1891), determinando o direito do voto universal, masculino, aos maiores de 21 anos alfabetizados. Embora o dístico positivista “Ordem e Progresso”, presente na bandeira republicana, a exclusão da participação feminina e o alto índice de analfabetismo alijaram, naquele momento, a maioria da população brasileira de exercer sua cidadania. Àquela época, o voto a descoberto (não secreto) era uma prática que impedia a autonomia nas escolhas políticas e favorecia, num país governado por oligarquias, o nepotismo e a corrupção.

No Brasil Colônia, os políticos eram o principal alvo da implacável crítica do poeta baiano Gregório de Mattos Guerra (1636-1696), “O Boca do Inferno”. Em nosso primeiro jornal, o Correio Braziliense (1808-1822), fundado, em Londres, por Hipólito José da Costa (1774-1823), a corrupção e a má administração da Colônia eram temas constantes. Proibido pela Censura Régia, este mensário circulou clandestino no Brasil, difundindo ideias liberais que influenciaram a independência do nosso país (1822).

Esse legado secular de transgressões e impunidades, que constitui o chamado “jeitinho brasileiro”, atualmente tem sido acompanhado pela mídia e denunciado aos órgãos competentes. Há muito tempo, nutrimos a esperança que está presente neste verso do Hino Nacional: “...E o teu futuro espelha essa grandeza...”.

Quanto aos nossos problemas, há quem os justifiquem por sermos um país jovem, cuja colonização iniciou no século 16, num período em que a Europa estava em expansão político-econômica durante as Grandes Navegações; outros defendem a tese de que a raiz dos nossos males remete-nos ao período colonial. Discussões à parte, a ideia de um país do futuro não foge ao contexto de quem ainda não atingiu a maioridade daqueles que ocupam o pódio no primeiro mundo.

O Brasil possui velhas feridas, cuja cicatrização demanda por mudanças de ordem moral e ética. A consciência cidadã é o passaporte que nos possibilita a construção de uma sociedade fraterna, na qual exclusão e impunidade serão apenas termos impressos em algum dicionário de um velho sebo.