Diário de Sonhos - #095: Ventríloquo
Há quanto tempo não escrevo sobre meus sonhos? Desde que comecei a trabalhar comprei muitas coisas. Amplificadores, instrumentos, pedais. Tenho realizado vários sonhos, mas o preço foram meus sonhos. Com a rotina maluca do trabalho os sonhos parecem simplesmente ter perdido a força e estarem me abandonando aos poucos. Sinto-me quase como um boneco ventríloquo. Mas não foi por isso que escolhi este título. Hoje tive um sonho bem vivo, incrível e estranho, do tipo que eu costumava ter. Vamos ao sonho.
Sonhei que eu era uma espécie de arqueólogo musical, em busca de vestígios e partituras seculares em cidades esquecidas e isoladas. Minha busca me conduziu a várias cidades do Oriente Médio, à Mongólia, à China e até mesmo a um parque de diversões (onde tinha um estranho brinquedo: um poço sem fundo onde você deveria pular e se agarrar a uma corda suspensa. Se você conseguisse se prender ganhava um prêmio, se não...).
Estou numa região montanhosa. É um dia quieto e nublado. Tudo cinzento, das nuvens às montanhas, das árvores aos meus olhos. Fundo num vale há um grande portão de ferro que leva a salões dentro da montanha. Entro.
Estou num corredor muito escuro e assustador. Há várias portas fechadas por toda a extensão do corredor. Silêncio. Mas não é bem um silêncio. Há algum tipo de perturbação no ar, um som muito grave e triste que me deixa arrepiado. Começo a andar lentamente. Há minha esquerda e direita, na altura do rodapé, aparece uma coisa vermelha que se contorce. Não há uma forma definida, mas é como se eu estivesse assistindo a chamas em câmera lenta. Um som grave, plenamente audível, surge. É muito grave pra identificar, mas parece um amontoado de vozes emitindo vogais como "ooo", "uuu". Mais à frente no corredor há uma porta aberta à minha direita. Entro. O corredor vira à direita novamente e segue mais ou menos até a altura da entrada por onde eu vim, um corredor paralelo. Neste corredor cortinas presas sabe-se lá onde balançam ao sabor de uma brisa inexistente. Caminho. Ao final do corredor há uma porta aberta que dá acesso a um quarto. Nele há um criado-mudo com velas em cima e uma cama. Sobre a cama, uma figura humana retorcida. É um boneco de ventríloquo em tamanho real. Sua aparência e roupas são idênticas às minhas. Levo o enorme boneco apoiado no meu ombro. Mas assim que paro à porta, lá no fundo do corredor algo que me faz gelar. Um vulto de outra figura humana em tamanho real, mas esta se mexe. Está parada de pé no mesmo lugar, mas sua cabeça se mexe repetidamente num movimento como se estivesse dizendo "não" eternamente. Tenho medo. Fecho os olhos. Abro. A figura está alguns passos mais perto, mas continua sem mexer as pernas, só a cabeça. Agora consigo enxergar melhor. A figura sou eu. Não um boneco ventríloquo de pano ou madeira, mas exatamente eu. Sua cabeça balança convulsivamente num movimento de "não". Seus olhos não mantêm um ponto fixo, se movimentam junto com a cabeça, como se estivesse perdido em sonhos. Fecho os olhos. Abro. A figura está mais perto. Ela já não mexe a cabeça. Está completamente imóvel. Isso me dá ainda mais medo do que se estivesse mexendo. Fecho os olhos. Abro. A figura está a apenas dois metros de mim. Seu movimento com a cabeça voltou. Mas agora a cabeça está levantada e virada para mim. Seu olhar está fixado em mim!
Acordo respirando ofegante...
Dez de fevereiro de dois mil e quinze.