PARTINDO

Ela está partindo. Seus passos são apressados. Seus pés quase não tocam o chão. Seu desejo parece não estar mais ali. Parece não ser mais o de estar ali.

O rosto vermelho. Os olhos marejados. Os lábios trêmulos. O belo vestido branco. A pele pálida. Os longos cabelos negros... Que belo contraste! Esvoaçam pelo ar. Ao vento. Mãos apressadas. Esforçam-se por recolher logo todas as coisas.

Senta-se na guarda da cama. Coloca as mãos no rosto. Recomeça a chorar. A mão na boca. Olhos para cima. Para baixo. Para todas as direções.

Há dor. Há tristeza. Há medo. Confusão. As íris verdes perdem-se num mar. De lágrimas. De segredos? De mistérios? De desejos mal resolvidos? Qual foi a trilha que encheu as solas de seus pés de espinhos? Quais foram os pedaços de vidro sobre os quais caminhou? As ideias... Tão confusas. Parece agora haver dúvida. Talvez... Não saiba qual o próximo passo. Talvez a mente já não esteja lúcida. Pode ser que esteja indecisa. Teria algo dado errado? Teria sonhado alto demais? Ou baixo de menos? Ah... Segredos dos corações humanos! Há que se perder para se encontrar. Mas algumas pessoas se perdem para não mais poder voltar. Vão longe demais. Por vezes ama-se demais. E pensa-se de menos. Por vezes há homens. Mulheres. Maldosos. Espíritos cruéis que não se contentam com a dor de sua própria alma. E por isso buscam o mal e o trazem para nós.

Qual teria sido sua trilha? Um coração partido? Uma promessa quebrada? Imagina-se que possa ter havido um príncipe. Encantado. Uma jura à luz da lua. Incontáveis noites. Sob o luar. Momentos em que os lábios se encostaram. Então a decepção? Um crepúsculo? Por vezes uma obra de arte pode estar podre por dentro. E quando cai de um pedestal se estilhaça. É quando descobrimos a verdade: estávamos sobre um castelo de areia. E o oceano da vida real o levou para longe... Para não mais voltar. Trouxe a dor. Pode ter sido uma criança. Um filho. Um menino. Uma menina. Alguém que deixou este mundo sem prévio aviso. Alguém que se perdeu na longa noite da eternidade. Quantas mães ninam berços vazios onde não há mais uma pequena alma? Quantas afogam a verdade na lembrança ao procurar um pouco de conforto? Ou pode ter sido algo um pouco diferente. Talvez tenha tentado apressar as coisas. Talvez alguém a tenha abandonado. E num ato de desespero – não com razão – tenha decidido impedir que aquela pequena criatura tenha vindo ao mundo.

Um acidente repentino. Uma doença maldosa que chega sem hora. Não se sabe. Talvez porque sejamos apenas pequenos humanos e não queiramos nos envolver. Talvez porque já tenhamos problemas demais.

Quem dera... Poder estar lá. Poder lhe falar. Pegá-la pela mão. Para sairmos dali. Quem dera poder ser mais forte! Mais corajoso? Oferecer meu ombro. Quem sabe poderia haver um caloroso abraço... Um profundo beijo. Ou talvez... Apenas talvez... Nosso próprio espelha ao nosso rosto. E então já é tarde demais. Pois ela já terá partido. E o coração sempre pensará: por que não consegui fazer nada?