Fotografia © Ana Ferreira
“Não creio que o Brasil seria diferente se colonizado por outros povos, caso esses povos tivessem a mesma intenção explorativa do início.”
(Giustina, in E se o Brasil não fosse colonizado por Portugal?)
(Giustina, in E se o Brasil não fosse colonizado por Portugal?)
AS FÁBRICAS DO MAL
Como todo filho, o Brasil gostaria de ter tido um pai rico e próspero. Felizmente ou infelizmente, quis o destino que tivesse um pai pobre. Se tivesse sido diferente, hoje a situação seria diferente? Pelas Américas andaram também os franceses, os holandeses, os espanhóis e os ingleses com o mesmo propósito: extrair matéria-prima e caçar riquezas. Na colônia de povoamento a exploração era necessária: na de exploração, a presença populacional era inevitável. Nenhum Império se formou sem o monopólio de algo.
Portugueses, franceses, holandeses, espanhóis ou ingleses?
Não culpemos o colonizador. O bom ou o péssimo desenvolvimento de uma nação depende não apenas daquilo que os colonizadores fizeram, mas, também, do conjunto social e da maneira de pensar e agir do seu povo.
À luz da História, imperava na Europa uma luta de poder entre reinos que procuravam um caminho mais fácil para o ouro, a prata e tudo aquilo que aquele continente não possuía.
Não afirmo que a colonização portuguesa tenha sido melhor. A História é passível de várias interpretações. Pode haver pontos a favor da colonização francesa, holandesa, e até mesmo inglesa no Brasil, mas com certeza são poucos perto das desvantagens que sofreram outros países colonizados por estas potências europeias. Basta observarmos a situação miserável das Antilhas, Guianas e vários países da África colonizados por outros povos que não os portugueses.
A colonização portuguesa divergiu da espanhola e ainda mais da inglesa; no Brasil houve a fusão das raças, contrastando com a extirpação violenta dos astecas, maias e incas ou a segregação racial do negro, nos Estados Unidos; ao contrário da América inglesa, onde diversas colônias separadas se reuniram posteriormente numa Federação, e da América espanhola que se dividiu em pequenas repúblicas, o Brasil constituiu, desde o início, um Estado unitário, cuja integridade política e territorial era assegurada pela monarquia; só o Brasil nasceu com o seu território delimitado; só o Brasil recebeu um monarca vindo da Europa para aqui instalar a capital do seu Império; só o Brasil, de entre as nações sul americanas, era representado no Congresso de Viena, com soberania, que já tinha desde 1815; só o Brasil conseguiu manter, na América do Sul, por tantos anos, a mesma Constituição.
Portugal foi o pioneiro nas Navegações e Descobrimentos Marítimos dos séculos XV e XVI. A seu favor tinha uma quantidade significativa de investimentos de capital vindos da burguesia e também da nobreza, interessadas nos lucros e nas terras descobertas; as caravelas, principal meio de transporte marítimo e comercial do período, que eram desenvolvidas com qualidade superior à de outras nações; a aquisição de estudos e instrumentos náuticos; grande experiência em navegações, principalmente da pesca de bacalhau.
No ano de 1498, os portugueses realizam uma das mais importantes navegações: a chegada das caravelas, comandadas por Vasco da Gama, às Índias. Quando o Brasil foi descoberto, em 1500, Portugal estava mais preocupado com o comércio das especiarias das Índias do que com a conquista de novas terras. O Brasil era importante devido à sua posição.
De 1500 a 1530, foram enviadas para o Brasil algumas expedições exploradoras. Nessas expedições o pau-brasil foi descoberto e o rei arrendou sua exploração a um grupo de negociantes.
Não foram apenas os portugueses que reconheceram a importância da madeira tintorial. Navios franceses também vinham em busca do pau-brasil, conseguido através dos indígenas que faziam o trabalho de corte e transporte, em troca recebiam objetos de pequeno valor. Contrabando e pirataria eram práticas bem conhecidas dos franceses. Em 1530 foi enviada a expedição, na qual o capitão Martim Afonso de Souza tinha a tarefa de combater os contrabandistas do pau-brasil e dar início à colonização que se fazia necessária.
Mesmo sofrendo ataques por parte dos lusitanos, os franceses não desistiram do Brasil. Um grupo de calvinistas franceses fundou uma colônia às margens da Baía de Guanabara. Seu objetivo era dar continuidade à exploração do pau-brasil e a liberdade religiosa. Na luta entre franceses e portugueses pela recuperação do território, foi fundada por Estácio de Sá, em 1º de março de 1565, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mais tarde, o grupo fracassou no sul. Fixou depois uma colônia no Maranhão, o que deu origem à fundação da cidade de São Luís - a única cidade fundada por franceses no Brasil - em homenagem ao rei francês Luís XIII, um entreposto para a comercialização de açúcar e tabaco. Utilizavam mão de obra indígena escravizada, adotando o mesmo modelo mercantilista utilizado pelos portugueses e que também já era realidade nas colônias americanas da Espanha.
Os franceses acabaram sendo expulsos pelos portugueses em 1615, e conseguiram fixar uma colônia no que hoje é a Guiana Francesa, um território pobre e com desigualdades sociais ainda mais acentuadas do que no Brasil.
Mas a França teve mais colônias comandadas por mão de ferro: a colônia do Haiti, que hoje é um país independente, mas um dos mais pobres do continente; fez o neocolonialismo na África, em busca de mercado para seus produtos industrializados.
À luz de tudo isto (e muito mais) os franceses teriam sido melhores colonizadores?
Há quem afirme que o Brasil seria hoje melhor, caso a colonização holandesa tivesse obtido êxito. Vale ressaltar que a ocupação holandesa, apesar do seu teor urbano-burguês, esteve concentrada, principalmente, na exploração e comércio de cana-de-açúcar. No fundo, os holandeses eram tão fomentadores da tríade latifúndio-monocultura-escravidão quanto os portugueses e os franceses.
Maurício de Nassau, apesar de desejar uma política conciliatória entre holandeses e portugueses, foi um governante ao serviço do mercantilismo, incentivando o tráfico negreiro, pois acreditava ser o escravo africano a mola mestra para o pleno desenvolvimento dos canaviais. Em relação aos índios, a Companhia das Índias tinha definido que teriam direito à liberdade, mas na prática foram explorados, maltratados, e muitos foram escravizados.
Expulsos pelos lusitanos, os holandeses foram pregar em outras freguesias e conseguiram elevados lucros nas Antilhas e na Indonésia, praticando uma colonização escravocrata e extrativista. Teriam os holandeses proporcionado mais e melhor ao Brasil?
Quanto aos ingleses, podemos dizer que esses sim, foram os que, indiretamente, mais proveito tiraram das colônias portuguesas. Portugal estava endividado com a Inglaterra. Esta, por sua vez, sabendo da existência de ouro no Brasil, teve interesse em estreitar os laços com a Coroa portuguesa. Através do Tratado de Methuen, em 1703, tornou-se fornecedora do que Portugal exportava para o Brasil, acentuando-se o domínio comercial dos ingleses. Assim, quase todo o ouro arrancado das Minas Gerais e outros produtos eram repassados diretamente por Lisboa a Londres, enriquecendo os cofres de Sua Majestade e incrementando a indústria britânica. Daí a frase: A mineração serviu para fazer buracos no Brasil, construir igrejas em Portugal e enriquecer a Inglaterra. Para suprir as necessidades da Revolução Industrial, o Brasil passou a produzir algodão para a Inglaterra, pois a principal área fornecedora deste produto (as treze colônias inglesas), declarou independência. E quando as minas brasileiras começam a entrar em decadência, a política de fomento agrícola patrocinada pelo Marquês de Pombal continuou o processo de acumulação de capitais. Outros produtos merecem destaque neste período: o açúcar, o cacau, o café e as “drogas do sertão".
Portugal praticamente não tinha indústria, seu principal produto era o vinho e até nisso a Inglaterra quis mandar, impondo taxas preferenciais para os vinhos portugueses. E foi devido às relações comerciais com a Inglaterra que a França ameaçou invadir Portugal. O príncipe regente, D. João, filho de D. Maria I (conhecida no Brasil como A Louca, mas que ficou para a História com o cognome de A Piedosa), futuro D. João VI, rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, não podia aceitar o Bloqueio Continental decretado por Napoleão, pois a Inglaterra era sua aliada. Sem condições para enfrentar as poderosas tropas napoleônicas, resolveu transferir a Corte para a sua mais importante colônia, o Brasil, em março de 1808. Os aliados ingleses tinham suas razões para continuar marcando presença e fizeram questão de escoltar e proteger os navios portugueses ao longo de toda a viagem, dívida que Portugal (e o Brasil) pagou muito caro, pois teve que cumprir as exigências da Inglaterra, acabando com o Pacto Colonial e abrindo os portos às nações amigas para que o livre comércio fosse estabelecido. A Inglaterra foi o país mais beneficiado com essa medida, pois precisava escoar seus produtos industrializados e passou a ter vantagens comerciais, pagando impostos reduzidos, o que acabou prejudicando o desenvolvimento da indústria brasileira.
Indiretamente, Napoleão foi responsável pela mudança da situação do Brasil. A chegada da Corte, em 1808, obrigou o Rio de Janeiro a modernizar-se. Com a Corte vieram também empreendimentos e investimentos, principalmente na área da cultura. D. João trouxe professores, cientistas, artistas, documentos, livros e obras de arte. Foi criada a Imprensa Régia, o Banco do Brasil, a Academia Real Militar, várias escolas, livrarias, hospitais, a Academia de Belas Artes, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico, o Museu Real, a Casa da Moeda, o Observatório Astronômico e o Teatro Real.
O próprio Napoleão reconheceu que D. João não era um inimigo fácil. O príncipe regente português foi o único que não se deixou vencer pelo valente general enganando-o com sua estratégica retirada, talvez a maior e mais sábia de toda a História de Portugal, o que comprova que nunca foi fraco nem medroso. Uma célebre frase de Napoleão sobre D. João VI, testemunha isso: “Foi o único que me enganou!”
Num tempo em que reis eram depostos, humilhados e até decapitados (basta recordar a Revolução Francesa que levou à decapitação de Luís XVI e de Maria Antonieta), D. João VI, mostrou ser um soberano corajoso e cuidadoso, salvando a sua família, a Corte e, de alguma forma, também o povo português e o brasileiro.
Para a maioria dos brasileiros, foi um rei fraco, comedor de frangos, alheio às questões de Estado. Mas a verdade é que O Clemente - cognome de D. João VI - passou à História como um soberano bondoso, inteligente, receptivo ao povo, com grande visão de estadista. Deixou uma obra importante no Brasil e é importante também considerar sobre a resistência que opôs ao absolutismo com que conviveu, encarnado nas figuras da esposa Carlota Joaquina e do filho D. Miguel.
Não culpemos o colonizador. A verdade é que não há povos com passado limpo, imaculado, e se Portugal não o teve, muito menos a Inglaterra. E por mais um século os ingleses continuaram marcando presença, dominando as transações comerciais, políticas e financeiras no Império Luso-Brasileiro. O Rio de Janeiro chegou a ser sede do quartel-general da Marinha Real Britânica na América do Sul.
Já depois da Independência do Brasil, foi a Inglaterra que determinou seus rumos políticos, não fosse ela sua grande credora. Tantos anos sugando o Brasil, a Inglaterra não poderia ter sido pior coadjuvante na colonização do país.
Manter uma estrutura administrativa do tamanho do Brasil seria impensável pelo modo inglês. Basta lembrar que as colônias de povoamento da América do Norte eram 13. A Inglaterra colonizou os Estados Unidos, entretanto, os Estados Unidos não são fruto da Inglaterra, embora tivessem sofrido sua influência: são o resultado do trabalho dos próprios americanos, de sua mentalidade, de uma série de líderes (Benjamim Franklin e os outros fundadores) e de pessoas trabalhadoras e empreendedoras.
Não culpemos o colonizador. Não menosprezemos a sua cultura. Se o Brasil já era um país grande antes de Portugal chegar, Portugal fez dele um grande país.
A maior parte dos brasileiros acredita que há razões históricas que estão na origem da corrupção no país. Concordo que a colonização e a escravatura deixaram uma herança que pode ter marcado alguns hábitos. Naquele tempo, para uma melhor sobrevivência dentro de uma sociedade injusta e desigual, já existia uma predisposição para se conseguir favores mediante trocas, suborno. O poder sempre esteve ligado à corrupção - um mal de todas as épocas, de todas as cortes, de todos os governos, desde o dia em que o homem descobriu que a riqueza significa poder.
“Os portugueses roubaram o nosso ouro!” Franceses, holandeses, ingleses, todos roubaram. Os portugueses roubaram sim, mas aos índios, senhores por direito das terras por eles conquistadas. Roubaram sim, a liberdade dos africanos arrancados da sua terra para trabalharem como escravos.
“Os portugueses eram racistas!” Talvez tivessem sido racistas, mas ao contrário do que se passou nos Estados Unidos, no Brasil o racismo não foi institucionalizado. Índios e negros não foram repudiados e dizimados, e desse passado, nem sempre cheio de boas ações e intenções, nem sempre repleto de glórias, resta uma raça com encanto próprio e beleza única no mundo, o povo brasileiro!
Hoje, quem são os ladrões? Hoje, quem rouba o Brasil? Quem surrupia o patrimônio do povo brasileiro, quem escraviza operários, quem desmata florestas?
Usar o passado histórico como justificativa para aquilo que os brasileiros de hoje fazem uns aos outros parece desculpa fácil. As sociedades contemporâneas que vivem em democracia têm as ferramentas para poder viver em paz, harmonia e fraternidade. Se essas ferramentas não são utilizadas, não será pela História de cada povo: é por algo contemporâneo que, infelizmente, é difícil conseguir superar; é porque a natureza, o raciocínio e o discernimento das pessoas as impede; é porque se acredita pouco nas próprias virtudes e capacidades; é porque se deveria sentir mais orgulho na sua própria raça. E então criam-se cotas e bolsas-auxílio... É mais fácil culpar o passado. É mais fácil culpar o colonizador pelos seus erros.
Sou portuguesa, moro no Brasil e, muito sinceramente, lamento o modo como, quase despercebidamente, se insulta, não só Portugal, mas também o Brasil. Lamento a forma como a historiografia brasileira não tem medido esforços no sentido de culpabilizar Portugal pelos males do Brasil; como dá realce às mazelas da Corte portuguesa, à “loucura” de Dona Maria I, aos defeitos de D. João VI, de Dona Carlota Joaquina e de D. Pedro I, ao sistema colonial e a toda a herança portuguesa no Brasil. É como se não tivesse havido méritos, e ainda que estes não tenham sido completamente esquecidos, contudo, não são dignos de ser lembrados.
Sou portuguesa e sinto-me orgulhosa de ser um pedacinho de Portugal. Sinto imenso orgulho por todas as coisas boas que os meus antepassados fizeram e deixaram pelo mundo fora.
O povo português não usa o seu passado como justificativa da sua crise atual. Portugal é também fruto de uma miscelânea de povos. Foram muitas as invasões sofridas ao longo da sua História: iberos e celtas deram origem ao valente povo que habitava a Lusitânia, futuro reino de Portugal; mais tarde chegaram os fenícios, os gregos e os cartaginenses; foram muitas vidas ceifadas e escravizadas com a invasão dos romanos, suevos, alanos, visigodos e muçulmanos. Mas Portugal não cruzou os braços. Lutou, lançou-se à reconquista, expulsando árabes e espanhóis . Perdeu muitas batalhas, mas lutou sempre, não desistiu, nunca perdeu a confiança em si mesmo. E foi essa confiança, essa coragem que levou os portugueses a navegar por mares nunca dantes navegados; a fazer de um pequeno reino, um grande país; a igualar-se aos grandes, com o apoio de audaciosos guerreiros, de corajosos navegadores e descobridores, de célebres escritores, de grandes monarcas.
Apesar da crise que hoje atravessa, Portugal, ao contrário da imagem de país atrasado que continua na mente de muitos brasileiros, é um país desenvolvido e cosmopolita, que preza pelos direitos do homem, que investe na saúde e na segurança, sendo sua prioridade o investimento na educação para formação de um povo culto, capacitado desde a juventude para exercer suas funções e viver com dignidade, e não como parasita dependente da fábrica das Bolsas e dos Auxílios.
Não culpemos o colonizador. Trabalho e empreendedorismo são quesitos essenciais para o desenvolvimento de um país. Na inexistência destes, o “jeitinho” e o improviso tornam-se virtudes, e remediar é melhor que prevenir. Mudar esse estado de coisas é possível e bons exemplos reforçam essa afirmação: a História provou que 30 anos são suficientes para (re)erguer um país. Alemanha, Japão, Itália, China e Coreia possuem exemplos de trabalho, empreendedorismo, educação e dedicação que deveriam servir de exemplo.
A Alemanha se reergueu das cinzas. Bastaram 10 anos para que a destruição causada pela guerra desaparecesse e menos de 30 para se tornar um dos países mais ricos da Europa.
Nas últimas décadas, nenhum país enfrentou uma sequência tão devastadora de tragédias quanto o Japão. Bombas nucleares e terremotos não impediram que o país se reerguesse. O governo investiu fortemente na Educação, o que permitiu o aparecimento de uma classe de profissionais de alta qualificação. São exemplos como esses, de obstinação, coragem, honra e disciplina, que asseguram que, haja as tragédias que houver, o Japão será sempre reconstruído.
Não culpemos o colonizador. É preciso empenho e trabalho para que a reconstrução seja possível. No Brasil pouco mudou ao longo de cerca de 500 anos. O país ainda continua sendo governado pela aristocracia que cuida apenas de seus próprios interesses. O povo não tem voz e é enganado pelos que podem falar mais alto. Quase tudo funciona mal e ninguém faz nada. Existe uma (incompreensível) cultura de aceitação, de resignação, de indiferença que leva as pessoas a aceitarem o que está errado como se fosse o certo. Quem pratica o bem, quem não é corrupto, é visto como se não fosse uma pessoa normal.
É quase impossível haver melhorias quando parlamentares auferem salário de R$ 33,7 mil e têm direito a ajuda de custo, cotão, auxílio moradia e verba de gabinete para até 25 funcionários e o piso salarial dos professores é de R$ 1.917 (dados de janeiro de 2015).
É quase impossível haver desenvolvimento quando recursos públicos são gastos em futebol e carnaval e não há investimento no desenvolvimento da ciência e tecnologia, o que pode ser comprovado pelo reduzido número de patentes depositadas por universidades e institutos de pesquisa brasileiros no exterior.
É quase impossível reverter a situação de crise quando as verbas destinadas à Saúde, Educação e Segurança são desviadas sabe-se lá para onde. Quando milhões, ou melhor, bilhões são roubados enquanto pacientes morrem nos corredores dos hospitais públicos. Quando rodovias em mau estado são pedagiadas e seus utilizadores correm o risco de ser assaltados a qualquer instante.
É quase impossível haver desenvolvimento quando existem “benefícios” do Estado como o Auxílio Reclusão (R$ 971,78); quando criminosos de menor idade podem matar e votar; quando bandidos roubam e matam e ganham lágrimas de solidariedade dos Direitos Humanos; quando viciados em drogas, vagabundos e desocupados podem tomar à força o que não lhes pertence, inclusive terras e residências.
Não haverá desenvolvimento enquanto houver alunos escrevendo “ponissão” em vez de punição e professores e pais parecem não se importar. Existe uma geração de jovens extremamente preocupada em entrar num estado de “emburrecimento”. Não querem estudar, trabalhar muito menos, pois seus pais não irão deixar de bancar seus celulares de última geração e outros luxos e vícios. E ainda que os pais deixem de bancar, as meninas sabem que para alcançarem sucesso basta que posem nuas para um anúncio ou revista e os meninos também sabem que podem conseguir muito dinheiro com arrastões e funk, e para isso não é preciso estudar, muito menos saber cantar.
A crescente desvalorização da democracia, o capitalismo e o patrimonialismo dão origem às desigualdades sociais e a que as classes dominantes tratem o patrimônio público que se fosse Cosa Nostra, organizando o Estado de forma a servirem os interesses particulares em detrimento do bem comum. Esta situação acaba por fazer parte do sistema e a maior parte da sociedade acaba por aceitá-la. O corrupto, não é visto como criminoso, mas sim como esperto. E acaba por ser um circulo vicioso: quanto mais autoridade, desigualdade e injustiça, mais corrupção. A cultura dita regras, estas são algumas delas.
O Brasil é um país de fábricas e algumas são bem conhecidas: a fábrica do faz de conta; a fábrica do carnaval, do futebol e do funk; a fábrica das Bolsas; a fábrica da ociosidade, do comodismo e do conformismo; a fábrica da ineficiência; a fábrica da corrupção; a fábrica do crime; a fábrica do poder paralelo que impõe suas regras pela barbárie e impede a ação do governo; a fábrica da impunidade, sendo esta a pior de todas.
A maior parte da população brasileira perdeu a confiança nos políticos e na própria democracia. Penso que, mais do que nunca, o Brasil precisa rever seus valores, sua política e instituições, sua cultura do comodismo.
O "Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza..." reflete esse espírito de comodidade. O povo canta e quem canta seus males espanta. Preocupante é quando ouvimos líderes políticos, em meio a uma situação de crise hídrica, dizer que “Deus é brasileiro e Ele vai fazer chover!”
Rousseau e Kant consideravam a Educação como o grande segredo para o aperfeiçoamento da humanidade, pois ela "prepara os indivíduos para a autonomia de pensamento, para a moralidade e a cidadania".
Ogrande mentor da Educação, Paulo Freire, batalhou para que a Educação de Jovens e Adultos fosse instituída formalmente no Brasil, mas a estrutura disponível, não deu nem dá conta do recado. O que cresceu foi uma concepção competitiva de ensino. Isso reflete o país e a sociedade atual e mais uma vez volto a mencionar a fábrica do comodismo e do conformismo.
Há grandes desafios a serem enfrentados e potencialidades a serem desenvolvidas e exploradas. Há necessidade de um plano político/econômico/educacional, para estancar as várias fábricas que estão proliferando.
Se os brasileiros querem um país desenvolvido, produtivo, precisam rever urgentemente a sua legislação e apostar na área da Educação - o alicerce do desenvolvimento. A História também nos tem mostrado que os países que conseguiram resolver as problemas educacionais também conseguiram resolver as desigualdades sociais e tornaram-se mais democráticos.
Só a Educação desenvolve a capacidade de entendimento para uma análise dos problemas e avaliação da sociedade. Só a Educação poderá fazer do Brasil um país melhor. De outra forma, as fábricas do mal acabarão por queimar o país. E o momento é tão delicado que falta apenas riscar um fósforo para que tudo pegue fogo.
(Fonte das datas e registros históricos: História de Portugal, de A. H. Oliveira Marques)
Ana Flor do Lácio