FESTA DOS NAVEGANTES: Tradição e fé

Há 142 anos, em Porto Alegre, no dia 02 de fevereiro, ocorre uma das maiores manifestações populares de fé: a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. De tradição açoriana, ela reúne católicos e adeptos das religiões de matriz africana, constituindo-se no maior evento religioso do Rio Grande do Sul. Em 2010, foi reconhecida como o primeiro patrimônio cultural imaterial da capital gaúcha. Em relação a outras cidades do Brasil, ocupa o 2º lugar em grandeza e importância, reunindo milhares de pessoas.

Há registro de que, em 1500, encontrava-se entre os tripulantes da Nau Capitânia, da esquadra de Pedro Álvares Cabral, uma imagem da Nossa Senhora da Boa Esperança. Na época das “Grandes Navegações”, ao se deparar com o desconhecido, os marujos rogavam à santa a proteção durante as tempestades, para que os livrassem dos perigos presentes no misterioso mar. A associação da Mãe de Jesus com o elemento água é bastante antiga, pois este simboliza a vida e o nascimento em diversas culturas desde a Antiguidade.

A Imagem

A primeira imagem de Nossa Senhora dos Navegantes foi esculpida em Portugal, no ano de 1870, pelo artista lusitano João de Affonseca Lapa, chegando a Porto Alegre em 1871. Um grupo, de moradores portugueses, formado por João José de Farias, Joaquim Assunção, Antônio Campos e Francisco Lemos Pinto, foi o responsável pela encomenda da escultura. Antes de construírem a capela de madeira, em honra à santa, a imagem permaneceu, por um período, na Igreja do Arraial do Menino Deus, cuja origem era açoriana, sendo depois transferida para a Igreja do Rosário no centro da capital gaúcha. Durante o período de 1871 a 1875, ocorreram procissões fluviais, transportando a imagem até a Igreja do Rosário, para que esta pudesse ser apreciada num espaço central da cidade

O incêndio

No ano de 1875, após ter sido concluída a capela, no antigo Arraial dos Navegantes, ocorreu a primeira procissão oficial até o Arraial dos Navegantes, em honra a Nossa Senhora dos Navegantes. Esta capela, infelizmente, em 1896, sofreu um incêndio devastador. Ainda naquele ano, no mesmo local, os moradores ajudaram a construir uma igreja em alvenaria.

Em dezembro de 1910, o ano em que o Cometa Halley cruzou o céu, ocorreu um segundo sinistro, destruindo totalmente a igreja, e a imagem da santa sofreu danos irreparáveis. Graças ao empenho da comunidade, um novo templo foi concluído, em 1912, e reinaugurado, em 1913, com a presença de uma nova imagem esculpida pelo mesmo autor lusitano da imagem original.

A procissão

A cada ano, no mês de janeiro, a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes é conduzida numa procissão até a Igreja Nossa Senhora do Rosário, no centro da Capital gaúcha, ficando exposta, durante um período, à visitação de milhares de fiéis.

No feriado de 02 de fevereiro, pela manhã, a imagem da santa - acompanhada por uma multidão de fiéis - retorna à sua igreja de origem. Um “mar de devotos”, com a presença de autoridades civis e eclesiásticas, segue em procissão num cenário muiticolorido, composto por velas, flores, rosários, crianças vestidas de anjo e cânticos em seu louvor.

A tradição desta procissão, por via fluvial, interrompeu-se, em 1989, devido ao naufrágio do barco Bateau Mouche, no Rio de Janeiro Desde este incidente, a procissão se constitui numa longa caminhada dos devotos, que percorrem um trajeto em torno de cinco quilômetros. Em 2013, esta grande “Festa da Fé” passou a fazer parte do calendário oficial de eventos do Rio Grande do Sul.

O sincretismo com Iemanjá

No dia 02 de fevereiro, nossa orla marítima se cobre de flores e perfumes que são ofertados, pelos adeptos das religiões de matriz africana, à Iemanjá. A origem do nome Iemanjá é do dialeto yorubá. A expressão “Yèyé omo ejá “, traduzida para o português, significa a mãe cujos filhos são peixes. O sincretismo deste orixá com a Nossa Senhora dos Navegantes remonta à época da escravidão no Brasil, fazendo parte, ao longo do tempo, da tradição do nosso imaginário religioso.

A Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, com seu caráter sincrético, demostra para o mundo que é possível conviver com a diversidade e suas múltiplas manifestações. A tolerância e o respeito ao próximo devem ser o fio condutor, para que possamos vivenciar uma sociedade mais fraterna e plural.

Pesquisador e coordenador do Setor de Imprensa do Musecom *

Referências Bibliográficas:

ANJOS, José Carlos Gomes; ORO, Pedro Ari. Festa de Nossa Senhora dos Navegantes / Sincretismo entre Maria e Iemanjá. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura (SMC), 2009.

FERREIRA, Walter Calixto. Ago-iê, vamos falar de Orishás? Porto Alegre: Renascença, 1997.

LICHT, Henrique. Nossa Senhora dos Navegantes / Porto Alegre 1871-1995. Porto Alegre: Editora UE, 1996.

ORO, Ari. Religiões Afro-brasileiras do Rio grande do Sul: Passado e presente. Estudos Afro-Asiáticos vol. 24, nº 02, Rio de Janeiro, 2002.