Tardinha calma e serena.
À beira do cais vejo o sol mergulhar as suas brasas nas águas escuras do rio.
Uma campainha toca, um barco atraca.
Põem uma prancha e a gente passa, rotina do dia.
Sobre o rio, as luzes acendem-se.
Caminho à toa, aos empurrões dos outros e dando empurrões também.
Para quê? Não tenho pressa nenhuma...
Vou apressada, os livros debaixo do braço, a bata branca esvoaçando à aragem fresca que, agora, se faz sentir.
Tenho frio. O vento sopra mais forte. Já escureceu por completo.
Para cá e para lá, caminho rente à água, continuo a divagar, a ver o que me rodeia, sobretudo a pensar.
- Quentes e boas!
O grito de guerra do homem das castanhas. Veio mesmo a calhar!
Aproximo-me dele, que tira da "bruxa" uma porção de coraçõeszinhos castanho-negros, fumegantes. Pago e vou-me embora. O calor das castanhas sabe-me bem nas mãos enregeladas.
Continuo a caminhar, agora também eu apressada, em busca de um autocarro vazio. Entro e sento-me.
Olho lá para fora: Os vultos continuam a girar, indefinidos, silenciosos.
O nevoeiro cobre a outra margem e céu e rio confundem-se numa nuvem espessa onde, mais além, se percebe a Ponte num tracejado de luzes.
Gotas de chuva batem, ralas, no vidro a meu lado.
Um cauteleiro passa, de gola levantada e boné enfiado até às orelhas.
- Olha a Lotaria! Olha a Taluda d'Ótonu!
Mais gente entra no autocarro, que arranca lentamente, subindo a avenida.
Dos lados, as árvores já estão quase despidas.
As pessoas, de impermeáveis e chapéus de chuva, passam depressa, pisando e chutando montes de folhas secas que se misturam com a água que corre pelas bermas.
Embalada pelo tremor que geme e guincha, encolhida no meu canto, uma moleza me invade.
De vez em quando a cabeça cai-me para a frente. Levanto-a e arregalo os olhos, pesados de sono.