Falar da Saudade
HOUVE UM TEMPO NO MEU PAÍS EM QUE SAUDADE ERA A ÚNICA PALAVRA SUBVERSIVA QUE PODIA DIZER-SE EM VOZ ALTA.
ACONTECIA NUM TEMPO DE LUTA INGLÓRIA.
OLHAVA E PENSAVA.
AQUELA CARA DE OLHOS-LAGOS EM CRATERA FUNDA, DE LÁBIOS SECOS E APERTADOS, DE FIRME MAS TÃO TRISTE EXPRESSÃO DE DESALENTO, CAVANDO A TERRA MADRASTA, ZUMBA QUE ZUMBA A ENXADA, CAVANDO MÁGOA APÓS MÁGOA.
CORRENDO DE NOITE PELAS BRENHAS, SACO CHEIO DE CONTRABANDO ÀS COSTAS: ERA O CAFÉ, O AÇÚCAR, O TABACO QUE FALTAVAM, PEQUENOS TESOUROS DE QUEM NÃO TINHA NADA MAIS QUE A SORTE DE ATRAVESSAR O PULO DO RIO OU CAIR AO TIRO DO GUARDA.
DOS DOIS, UM DESTINO CERTO.
SUBIR DE ARMA NO OMBRO A ESCADA SEM FIM DO NAVIO, LENÇOS ACENANDO EM BAIXO "ADEUS, MEU FILHO, QUE VOLTES VIVO"... A GUERRA ERA UM BURACO NEGRO NO COMEÇO DA VIDA INCERTA.
SEM MAIS SAÍDA.
FUGIR DE NOITE, MALA DE CARTÃO, EM BUSCA DO PÃO SONHADO EM TERRA ALHEIA - FRANÇA, ALEMANHA, SUÍÇA... OS OLHOS MAREJADOS, PARA TRÁS OS ENTES QUERIDOS, ATÉ UM DIA ...
FADO.
NA DESVENTURA, O TOQUE DE UMA GUITARRA NA RUELA, UM SOM QUE NÃO SE SABIA DE ONDE VINHA, MAL BRILHAVA UMA CANDEIA ACESA.
SOBRE A ENXERGA OS OLHOS INSONES ABERTOS.
OS OLHOS VERMELHOS NO CHORO DE TANTAS NOITES
À ESPERA.
AI DE QUEM VAI, AI DE QUEM FICA!
NO MEIO ESSA PONTE DE ESPERANÇA DE VOLTAR UM DIA, BRAÇOS ABERTOS.
DEBRUÇADA,
ESSA CARÊNCIA DE BEIJOS A ARDER FUNDO NA ALMA.
Lisboa,
23/8/2002