Seis da manhã (às vezes cinco)

Desde o começo do ano, estou acordando todos os dias às seis da manhã, às vezes cinco. E o fato de eu estar contando isso é uma prova de que é possível sobreviver à semelhante rotina. O pior é que eu não precisava estar acordando tão cedo: só começo a trabalhar às nove horas e levo pouco mais de quinze minutos para fazer o trajeto da minha casa até o meu trabalho. Acontece que estou com vizinhos novos, dois sujeitos do Rio de Janeiro que no começo do ano alugaram os quartinhos logo ao lado do meu. E esses sujeitos, um deles especificamente, têm o hábito ou a necessidade de acordar diariamente pelas cinco ou seis da manhã. Faz tamanho estardalhaço quando acorda que seria realmente bastante improvável que alguém de sono tão difícil como o meu continuasse a dormir depois disso. Muita gente já passou pelos quartinhos nesses cinco anos que aqui moro, mas ninguém foi capaz de me acordar como o novo vizinho.

A princípio, pensei em fazer o óbvio, ou seja, reclamar com a dona dos quartos. Dona Lúcia é uma velhinha simpática, mas bastante ansiosa e já um tanto perturbada das ideias. No final do ano sofreu bastante com um inquilino que não queria pagar o aluguel mas também não queria deixar o quarto. Toda vez que vaga um quarto é uma luta para Dona Lúcia escolher alguém confiável a quem alugar, e muitas vezes ela descobre que escolheu mal. Mas até o momento Dona Lúcia se mostrou bastante satisfeita com os novos inquilinos, tão satisfeita que eu pensei se devia mesmo fazer uma reclamação e gerar uma pequena crise na difícil harmonia do lugar.

Como vocês podem imaginar, eu não reclamei. Tratei de pensar se havia alguma maneira de aproveitar o fato de ter que acordar cedo todos os dias, e não demorei a encontrar: é quando eu posso trabalhar no livro de história que estou escrevendo. Durmo um pouco mais cedo, acordo quando o vizinho começa a fazer barulho, e então me ponho a trabalhar. Tem rendido bem, e eu ainda posso presenciar os pequenos espetáculos de um céu que amanhece.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 02/02/2015
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