A escrivaninha

A escrivaninha

Nem sempre a palavra deve sair da escrivaninha; que palavra viverá se a sua força enfraquecerá o que pensa estar robusto? Sentado na cadeira, em frente ao texto, o homem se apaga para não riscar o discurso construído. O estranho é estranho porque não faz questão de ser apresentado. Apertos de mão obrigam a lavar as mãos por serem violadas por mãos que acostumaram ao afago passivo. A mão deveria ter sempre um punhal... Eis a palavra, eis o punhal.

Se forem à enciclopédia em busca de conceitos, certamente acharão vocês. A insônia é resultado de força vital, de sobre força, de domínio do descanso. Quem dorme descansa do mundo e não trabalha em vida. Quem recebe o salário em vida?

O corpo, refém dos autores, construído por repetições é putrefato em vida. Não use perfume! O mal cheiro irrita as narinas de quem está aguçado na profundidade.

As palavras são punhais! Não leiam o que fará sangrar! Aquele que não tem estômago regurgitará!

Muitas vezes, a palavra não merece ser lida e será que ela faz questão de ser lida? Quem fará a própria autópsia? O corpo sempre se tornará refém de outro corpo!

Há apenas reféns! Há apenas escravos e servos! Há apenas covardes!

A palavra é senhora de si mesma! É dona de si mesma! É patroa do seu autor e, por isso, tem autoridade sobre o que discute.

Só quem tem veneno conseguirá morrer e viver. Para entender a própria vida é preciso morrer primeiro. Quem fará o próprio velório e cavará a própria cova? O defunto está mais vivo que os que seguem os vivos-mortos; só há vivos-mortos! Zumbis.

Guardar a palavra é preservá-la! Preservar da interpretação do analfabeto de vida; aqueles que só sabem ler o que leram para eles. E quem leu a primeira frase, será que realmente sabia ler e interpretar? Quanta passividade!

A palavra descansa na escrivaninha e respira aliviada. Não faz questão de ser lida, não aceita o escancaro de quem não sabe interpretá-la. A palavra pede para a caneta recolher e sangrar em outro tempo. Tempo que reconhecerá a palavra que hoje está calada, não lida, não interpretada, não compreendida. E para quê ser entendida? Entendê-la é se fazer refém de um novo discurso.

Quem escreve o mundo? Quantas exclamações e interrogações um texto deve ter? Somente tolos trabalham com ponto final.

Sirvam todos com tudo que já foi servido. Não há comida diferente no menu; só uma sombra consegue se ver. A palavra escondida é palavra prima.

A palavra não faz questão de responder, de esclarecer. A palavra é de amanhã e, por isso, sua opus magma só será editada quando não houver mais leitor. A palavra não merece esses leitores que só sabem ler com dicionários ao lado.

A palavra enfim se recolhe à tinta que a caneta soube respeitar.

Mário Paternostro