Infância
A cidade onde eu nasci era rodeada de serras douradas, cobertas por uma mata fechada, que ao meu olhar infantil, escondia seres fantásticos da minha imaginação: princesas e castelos, príncipes enfeitiçados, sapos encantados à espera do beijo apaixonado, bruxas e duendes, anões, meninos perdidos e o Peter Pan, João e Maria abandonados na floresta.
Essas histórias tão antigas e mágicas eram contadas inúmeras vezes sem que eu perdesse o brilho no olhar e que meus sonhos fossem povoados por seus personagens. Sua magia me fazia sonhar até mesmo acordada. Por isso, eu buscava um pequeno exílio, que podia ser qualquer lugar: desde o quintal de terra vermelha que se transformava no meu reino encantado; o quarto dividido com o irmão caçula, que virava a torre do meu castelo; as casas da avós, que traziam o gosto de um casarão cheio de mistérios.
Nesses lugares eu era uma linda princesa, uma guerreira, uma super heroína que nada temia, que enfrentava bruxas e monstros e os derrotavam, para no final encontrar o grande amor, casa-se e ser feliz para sempre. Ah, como era bom ser criança... A vida era tão linda, tão colorida, tão surreal... Cada descoberta, por mais boba que parecesse aos adultos, que acham que tudo conhecem, era um grande achado a nós, os pequeninos.
No meu exílio eu podia ficar tranquila para ruminar coisas simples, mas que me faziam tão feliz. Era o jeito de ter minha intimidade: menino que fica quieto demais, só pode estar triste ou doente, se é muito sonhador, precisa se ocupação e sobretudo, disciplina. As brincadeiras dividia com os primos, amigos e vizinhos, porém, sempre gostei mesmo de brincar sozinha. Quem me visse brincando só, poderia imaginar que eu era uma criança estranha, no entanto, estava apenas exercitando minha imaginação.
Hoje crescida, vejo que era muito feliz no pequeno casulo da minha saudosa meninice. O meu mundo podia ser considerado pequeno, mas na minha cabeça e nos livros e histórias, eu podia estar em vários lugares, conhecer tudo e um pouco mais, ser tudo que eu tivesse vontade de ser, sem a cobrança e o farto de ser algo que ás vezes nem sei se realmente eu escolhi livremente.
Sem a criança que eu fui um dia, que o tempo levou e faz questão de não me devolver mais, só me resta ser mais um adulto no turbilhão de adultos que tem lá fora. Ser adulto significa perde toda a inocência e meiguice que adoçava minha existência, para torna-me mais frio e distante dos meus semelhantes, pois passarei a estar ocupada demais com meu próprio umbigo.
É aprender a disfarçar os meus sentimentos e sensações para tentar agradar os outros. É dizer eu te amo com a mesma facilidade que visto uma roupa, não mais com a espontaneidade de outrora. É aprender a odiar e não tolerar o outro sem isso ser só um sentimento passageiro. Pois valorizamos a hipocrisia e condenamos a autenticidade. A civilidade nos discrimina e exclui, mas a meninice nos aproxima e nos torna igual.
É, mais a infância passou... Preciso me convencer que ela não retornará. Somente posso guardar dentro de mim as boas recordações. Sou uma adulta. Preciso tomar decisões que definiram o meu futuro. Entre essas escolhas, eu posso escolher ser uma adulta melhor, ou pelo menos, em parte melhor. E quem sabe, eu não mate a saudade que tenho da infância, ao observar crianças brincando e sendo elas mesmas, tão singelas em seu comportamento.