TEM QUE TOMAR PURGA DE BATATA
Minha mãe costumava todo mês viajar pro interior, pra sua terra natal, onde possuía lá uma casa. Quando retornava, eu sempre a esperava na rodoviária. E eu ficava besta com a quantidade de pessoas que ela conseguia fazer amizade nessas viagens. Isso tornava-se evidente quando ela se despedia dessas pessoas ou quando, também, me apresentava muitas delas. Que minha mãe era camaradeira, disso eu não tinha dúvida. Agora, fazer tanta amizade numa simples viagem, isso era o que me impressionava.
Uma vez, acompanhei minha mãe numa dessas viagens. Aí presenciei o modo como ela cativava tantas pessoas viajando. Era oferecendo merenda pra todo mundo, brincando com as crianças que encontrava, ensinando uma receita pra um, dando uma dica pra outro e sempre de maneira alegre, e como se já conhecesse as pessoas. Para ela, ninguém era estranho. Cada parada que o ônibus realizava, lhe era suficiente para fazer amizade, pelo menos, com mais de duas pessoas.
Nesta viagem em que fiz com ela houve, também, um episódio hilariante. Hilariante e desconfortante. Alguém começou a soltar seus gases de um mal cheiro insuportável! Nunca vi uma coisa daquela! O fedor espalhava-se pelo interior do veículo todo, de tal maneira que os passageiros, tanto da frente como de trás,começaram a reclamar. Num percurso que dura em torno de seis horas e que havíamos percorrido apenas um terço, imaginávamos como suportar, naquelas condições. o restante da viagem. Já se havia escancarado todas as janelas e suas respectivas cortinas para facilitar a entrada de ar, mas nada estava adiantando. Até o motorista resolveu imprimir mais velocidade ao ônibus para ver se dava uma melhorada, mas nada. A todo momento, ouvia-se o povo se queixando. Uns diziam: "Ave-Maria! Não tem quem agüente". outros completavam: "Parece que comeu carniça!" Minha mãe, Também, não fugiu à regra: "Fummm!... -exclamou ela abanando o nariz - tá danado mesmo! Mas, o pobre ou a pobre coitado, não tem culpa. Se prender pode dar nó nas tripas". E como se fôra uma especialista em saúde, diagnosticou: "Isso é problema de intestino sujo. Tem que tomar purga de batata". E, aumentando a voz, disse dirigindo-se ao desconhecido causador daquela fedentina: "Olhe, você que está com esse problema, que está desprendendo esses ventos fedorentos, não se acanhe, não". E com a sua ingenuidade interiorana, minha mãe continuou: "Venha que eu dou um remédio agora que deixa você bonzinho! Olhe, eu tenho aqui remédio pra tudo. Só viajo com meus remédios, que eu mesma preparo. Tem pra dor de cabeça, pra dor de barriga, mal estar, prisão de ventre, diarréia, tem pra o que precisar."
Apoiando minha mãe, o cobrador, disse aos passageiros: "Os remédios desta senhora são bons , mesmo! Uma vez, eu tava me vendo com uma cólica retada, não tava agüentando. Ela me deu um remédio que a dor passou na hora!"
"Está vendo?" - Tornou minha mãe a falar com a pessoa oculta - "Não se acanhe, não. É melhor pra você! Repare que este ônibus não tem sanitário, e o seu caso (olhe, estou lhe dizendo porque tenho experiência) vai terminar em diarréia. Quando a pessoa bufa desse jeito é sinal que pode, de repente, se obrar todo." Os demais passageiros caíram na risada. Houve até um gaiato, mal-educado, que dava altas gargalhadas e gritava: "Vai bufão podre!... Vai logo tomar o remédio da mulher!" Mas, ninguém aparecia para atender ao apelo da minha mãe. Também, convenhamos: se num clima normal já é impossível, imagine nesse surgir alguém capaz de se revelar como o responsável por esse tipo de vexame, ainda que fosse para tomar um bom remédio. E assim passaram-se mais algumas horas. O mau cheiro cada vez mais forte, ao ponto de uma senhora comentar: "Cruz, credo! Desse jeito, vai acabar matando a gente." E os passageiros entreolhavam-se desconfiados. Era como se todo mundo ali fosse suspeito. Houve um certo momento em que até a minha mãe virou-se pra mim e perguntou, baixinho: "Não é você, não é?" O que eu reagi, chateado: "O que é isso, minha mãe?! Está me estranhando? Então, a senhora acha que pode ser eu? Já me viu soltar um pum fedorento desse jeito?" Foi quando, um cidadão moderno, baixo e barrigudo, levantou-se de sua poltrona e todo acanhado veio até à minha mãe, e com o dedo fez sinal de que era ele quem estava de flatulência. Logo todos os passageiros perceberam e começaram com uma gozação, o que levou minha mãe a protestar: "Gente, não faça assim com ele, não! Isso pode acontecer com qualquer um de nós. E ele fez bem em me procurar. Vai ser bom pra ele e pra todos nós." Em seguida, ela pegou um pó, colocou num copo com água, e deu ao moço para beber. E avisou a ele: "Olhe, daqui a pouco vai fazer o efeito e eu vou pedir ao motorista pra parar, porque você vai ter que descer para esvaziar as tripas, mas não se preocupe porque vai ser tudo muito rápido." E assim aconteceu. Depois disso, já com o cidadão devidamente refeito, a condução seguiu viagem. Agora tranqüila até ao seu destino final. No desembarque, juntaram-se em torno da minha mãe várias pessoas, inclusive o cara do intestino sujo, para lhe agradecer. Ele queria, ainda, saber que remédio tomara. Disse-lhe, então, minha mãe: "Seu caso estava sério. Quando se chega a uma situação dessa, só há um jeito: tem que tomar purga de batata." Aí, ofereceu-lhe um frasco contendo o produto e, deste modo, estava ganho, definitivamente, mais um amigo.