MORTE E SUA REPRESENTAÇÃO.

Volto do velório da mulher de um amigo, surpreendida por uma doença avassaladora que ataca a medula e mata sem muitos recursos, doença hematológica, do sangue, que é como digo em crônica ser o caudaloso rio da vida e da morte.

Meu amigo e o pouco que a vida lhe deu via agora que era muito tendo ao lado sua companheira de mais de quarenta anos de afinidades. Sem filhos, que também o destino não lhes quis dar, doavam-se sem limites.

Via agora que tudo que alcançou era pouco sem sua presença. A morte roubou a expressão máxima de suas vidas, o amor intenso e grandioso que nutriam. Pessoa simples, mas de grandes recursos de inteligência engenhosa, capaz de resolver tudo que dependesse da habilidade do engenho autodidata, desde mecânica de carros e motos até soluções em geral para problemas das casas, de recuperação de objetos em geral, indeterminadamente, tudo resolvia com suas geniais soluções. Só não teve inclinação para o estudo. Seria covardia em concorrência.

Foi meu perito judicial mecânico, exemplar.

Lá estava ele, perdido, ajoelhado em frente ao caixão, acariciando o rosto de sua esposa morta, sem parar, em ritual de despedida incontrolável, com a carícia envolta na certeza da última viagem. Sem entender a representação da vida que um dia se faz morte, de difícil entendimento, absorvia o inicio de uma vida diferente vizinha dessa morte para ele inexplicável, um enigma para todos,independente de fé, formações ou crenças. Morte,o grande portal da interrogação da vida.

Uma representação diversa de tudo que se possa compreender. Na carícia da morte encenada pelo meu amigo, apática e febrilmente, estava a representação de uma outra vida que se quer e não se alcança.

Não fiquei e não fico para ver os últimos momentos, dele me despedi e fui embora. A inevitabilidade tem momentos que se podem evitar.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 29/01/2015
Reeditado em 29/01/2015
Código do texto: T5118613
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