Adriana Calcanhoto sobre Suzana de Moraes:
“Foi-se o amor da minha vida”.
“Foi-se o amor da minha vida”.
Não me ligo em notícias sobre famosos e outras coisas do mundo das celebridades. Mas, a suavidade, a delicadeza desta expressão numa manchete me chamou a atenção: “Foi-se o amor da minha vida”. A declaração partiu da cantora Adriana Calcanhoto, e traz um lado de dor comum a todos nós, quando nossos amores se vão. Ao ler a notícia na íntegra vi que a cantora se referia à atriz e cineasta Suzana de Moraes, filha mais velha do poeta Vinícius de Moraes, com quem viveu por mais de 26 anos, e oficializou união, em 2010.
A matéria trata do falecimento de Suzana, 74 anos, ocorrido ontem, 27, no Rio de Janeiro, vítima de um câncer no endométrio. Adriana, 49, fala do tempo em que viveram juntas, e declara: “Fui a mulher mais feliz do mundo nestes 26 anos em que estive com ela. Uma grande mulher, inteligente, engraçada, culta, amiga dos amigos, que teve uma vida extraordinária, e que viveu cada segundo como nunca mais. Morreu de mãos dadas comigo. Foi-se o amor da minha vida”.
As uniões homossexuais ainda são assuntos geradores de profunda polêmica em nossa sociedade, e penso que tão cedo não deixarão de ser. O preconceito contra os relacionamentos homoafetivos ainda impera em todas as esferas, e a intolerância ao diferente costuma ser responsável por muitas tragédias que frequentemente acontecem nos meios familiares e sociais, de uma forma geral.
Ignorância também é achar que todos devem ter a mesma opinião sobre o assunto. As pessoas não têm obrigação de pensar de maneira igual, mas o que se abomina, neste caso, são o desrespeito e a segregação de semelhantes simplesmente pelo fato de terem orientações sexuais diferentes da convencionada “normal” pelos padrões sociais.
A estas pessoas são negados direitos legítimos de cidadania, e principalmente são negados direitos essenciais de serem felizes como bem escolherem. O debate cresce: será que vivemos tempos com maior número de casos de homossexualidade? Sabemos que não. Vivemos tempos em que se começa a construção de uma maior liberdade de expressão e sentimentos, e o respeito e a dignidade abrem discussões num terreno ainda de tanto melindre. Ainda bem!
Uma pessoa conhecida, nascida em 1929, comentou certa vez que nas imediações de onde morava havia um rapaz conhecido por suas esquisitices: sempre se esgueirava por entre as árvores, ia para a beira do córrego, para ali usar batom, lavar os cabelos e depois de escorrê-los colocar grampos para prendê-los, e ficar se admirando no reflexo das águas. Percebendo presença alheia, se escondia e, envergonhado, tentava disfarçar as práticas femininas. Fica a pergunta: quem ousaria, em sã consciência, desafiar os costumes e valores morais daquele tempo? Ninguém! Hoje, sabemos muito bem o que se passava no íntimo daquele corpo, daquela cabeça, daquele ser humano.
Sim, ser humano. Pois assim devem ser olhadas, sem distinção, todas as pessoas. O resto são detalhes e ficam por conta daqueles que se acham juízes do mundo. Pois, quem detém a perfeição? Melhor seria, pudéssemos nos reconhecer com nossas diferenças, fragilidades e defeitos. Melhor seria, pudéssemos absorver a sensibilidade de um amor bonito como esse vivido por Calcanhoto e Suzana de Moraes. Afinal, é o sentimento que vale. E mil juízes não teriam poder para condenar essa frase de extrema beleza dita numa hora de dor absoluta: ”Foi-se o amor da minha vida”.