As coisas são complicadas.
Julgar os outros é fácil, compreendê-los é sempre difícil. Como sempre pensei, admitir a complexidade da realidade não é ser radical pela simples razão de que os problemas são complexos e tentar resolvê-los de supetão tende a agravá-los e ocasionar um desastre. Mas nós temos a tendência acreditar em soluções milagrosas, pois aceitar que as coisas são complicadas custa muito, a não ser, é claro, que o assunto em questão seja nós mesmo, aí tudo muda de figura. Aí fica fácil utilizar a velha desculpa - aquela utilizamos para tudo aquilo que não deu certo: "As coisas são complicadas."
Essas considerações advém das minhas conversas com uma amiga muito querida, que é muito sonhadora, que adora voar na imaginação. Eu só um pouco mais pé no chão, mas presa a realidade, sou daquele tipo que pesa e mede tudo com muito cuidado para tentar fazer sempre o certo. Talvez por isso, quando eu quero sair um pouco do rotineiro, eu escreva poesia secretamente, pois ela nos obriga a voar.
Dá pra entender então a minha dificuldade em discutir certas coisas com minha amiga avoada. Ela não hesita em experimentar novas emoções, a sonhar de olhos abertos, a acreditar no amor da sua vida e na mistificação do príncipe encantado. Por isso, apesar do imenso carinho que nos une, frequentemente nos desentendemos.
- Mas você não vê que isso é loucura, Cláudia?
- Loucura? Só porque quero encontrar o amor da minha vida, explorar as ruínas de Machu Picchu e escalar o Himalaia semana que vem, Marina?
- Não sabia que você era tão romântica, arqueóloga e muito menos montanhista?
- E eu preciso ser tudo isso para me aventurar pelo desconhecido?
- Precisa sim, senão vai acabar se machucando. Não acha que está muito crescidinha para tantas maluquices?
- Sabia que você é uma chata! Ás vezes, não te suporto!
- O que você não suporta é a realidade, minha querida!
Sai de sua casa com peso na consciência. Ao chegar em casa, fiquei refletindo: "Por que é que eu tenho que ficar cortando as asinhas dos sonhos alheios?"
No outro dia, liguei para me desculpar e explicar que minha intenção era somente alertá-la.
- E você pensa que eu sou maluca? Achou mesmo que eu iria?
- Mas eu pensei que...
- O que você não entende é que eu tenho necessidade de sonhar, de imaginar coisas maravilhosas, Marina. Se vou pô-las em prática é secundário, não importa agora. O importante é que fazer é mais difícil que sonhar, e é por isso que sonho.
Caí em mim... Lembrei-me de uma coisa que sei e que ás vezes esqueço: a vida não é só o possível. Somente o impossível nos faz levantar da cama e ir além da esquina.