Crônica de uma Manhã
 
As férias são coirmãs do Éden! Sim, um paraíso... Mas só no comecinho, porque depois da novidade de estar à toa na vida e fazer tudo que se estava esperando há um tempão — e não era feito por falta de tempo — baixa o tédio. Acordei assim meio entediada e imediatamente tratei de inventar moda: cismei de ir buscar um colarzinho de estimação da minha mãe que tinha deixado no conserto, na semana passada. Só que no meio do caminho comecei a ter dúvidas se tinha sido uma boa ideia: não imaginei que a lojinha de consertos ficasse tão longe. Isto, porque quando deixei o colar estava de carro. E agora eu só podia contar com dois pezinhos andando. Mas, já que eu tinha inventado, agora iria até o fim.

Fui até o fim. Cheguei lá mortinha, cansada, suada, pedindo um copo d’água pra moça do balcão, que me trouxe uma caneca de alumínio cheinha de água ultragelada! Sagrada aguinha. Muito bem, com o colar tinindo de novinho na bolsa, vamos embora! E agora mais leve, pois a água me refrescou e tive a santa ideia de seguir outro trajeto, por uma ruinha mais arborizada, portanto mais fresca. Muito oportuno, pois pude descobrir como a cidade cresceu por aquelas bandas. Juro que custei a me situar, pois tudo estava muito diferente do que eu tinha visto pela última vez. Concluo: estou desatualizadíssima da minha terra natal.

Imperdoável, deixar passar em branco tanta novidade: a velha escola toda reformada, muitas construções novinhas em folha, a área da fábrica toda remodelada e ampliada, ruas pavimentadas, muito comércio com uma variedade imensa de serviços. E o parque que margeia a Avenida dos Bernardes? As árvores cresceram tanto que o lugar ficou irreconhecível: agora, o que vejo é uma extensa área verde, com tanta sombra que até dá vontade de ficar por ali. Bom mesmo seria armar uma rede e curtir o frescor do arvoredo, com sinfonia de passarinho cantando e... Boas férias!

Pego novamente a via do sol. No caminho pra casa ainda encontro muito com o que me distrair. A cidade está se alastrando em áreas de novos loteamentos, onde casas pipocam, numa promissora perspectiva colonizadora deste meu torrão. Tenho a impressão de que os programas do governo operaram o milagre da Multiplicação das Moradias. O “Minha Casa, Minha Dívida”, realmente prosperou nestas redondezas.

Por fim, vou reconhecendo meus domínios. Passo pelo Poliesportivo, de onde vem o alarido da molecada praticando algum esporte. Paro pra ler certos recados pichados nas paredes externas do Ginásio. Entre a profusão da rabisqueira um deles alardeia “Gilmar é Gay!”. Coitado do Gilmar, ter sua condição sexual exposta assim ao público não deve ser nada bom. Tem mais: “Raíssa é maconheira”. Chi! A coisa também não tá boa pra Raíssa. Por fim, entre outras pinceladas, descubro que “Pablo ama  Lu”. Esse pelo menos veiculou algo que preste. Declarar amor é sempre louvável por parte de quem ama, e receber a declaração, ainda que numa pichação, também deve ter lá os seus encantos.

Sigo meu caminho, doida pra chegar em casa e me refrescar do calor que aumenta assustadoramente na rua. Intimamente vou pensando com meus botões: um giro a pé pela cidade é uma reviravolta geral pra atualizar os conhecimentos locais. E ainda tem gente que reclama de tédio. Que falta de criatividade! Nada que um bom par de tênis e a vontade de gastar as pernas não resolvam.