Chuva na serra

Segundo os roceiros da mata Graciosa, há décadas passadas o cio da terra acontecia regularmente, no final de julho quando entra agosto. Quando a primeira chuva caia, exala o gostoooso cheiro da terra! Pronta para ver seu seio rasgado pelo arado e receber as sementes para germinar o pão nosso de cada dia... Esse ano, o mais seco dos últimos oitenta, judiou da bicharada em todo o planeta. Quando a cortina de chuva cobriu a serra da Graciosa, as Saracuras deram um viva para Deus! Depois de vinte e uma semanas, a última penitência seguiu cantarolando os cânticos sagrados ao Senhor, rumo ao cruzeiro para molhar o pé da cruz, tradição centenária. Centenas e centenas de bichos se molhando na chuva extasiados. Morcego exalta o Senhor Deus:

- Grande é o grande Deus! Não se esquece de mandar a chuva sagrada, mesmo com o bicho homem quebrando seus mandamentos e deplorando o planeta! Chove chuva, chove sem parar, vem minha terra molhar, aí a certeza que na mesa o pão não vai faltar!!

Cabrito que capinava o café, vendo a procissão passar berrou:

- Oh meus Deus manda da chuva grossa que da fina o patrão não gosta!! Tá duro no cabo dessa enxada de quatro libras e duas caras e meia! Obrigado Senhor, sem água, nada feito.

Gambá na janela de seu ranchinho de taquara, olha para a procissão e faz seu agradecimento:

- Chove lá fora e pinga em nóis aqui dentro!! Oh que chuva boa meus Deus!

O sábio Sabiá entoando uma linda canção para Deus, da uma pausa, e diz:

- Agradecemos ao Senhor pela chuva, e também agradecemos pela seca. A natureza é sábia tem época que manda uma geada brava, outro tempo vem chuva além do necessário, e esse ano veio a longa estiagem. Não reclame, a natureza sabe o que faz, tudo tem sentido.

A procissão seguia em meio a uma linda e verdejante plantação de arroz, feijão e milho. Nas pastagens verdes as Vacas corriam felizes. Os bichos pararam e fizeram uma grande oração pela plantação. Macaco lembrou o poder da natureza em se regenerar:

- Vejam todos, há uns dois meses a mata Graciosa era pura cinza depois de um incêndio criminoso... bastou uma chuvinha e o verde renasceu!! A natureza é imbatível! Só que tem um porém; Deus perdoa, a natureza nunca...

Ao longo da caminhada de fé, foi aumentando o número de fiéis debaixo da chuva que Deus dava, uma felicidade geral, chegando ao pé da Santa Cruz passava de quatro mil bichos presentes. Tinha bicho de tudo quanto é religião. Nas mais de mil quinhentas religiões espalhadas mundo afora os bichos vivem brigando atoa, uma querendo ser melhor do que a outra. Quando a coisa aperta todo mundo corre junto a Deus, o mesmo em todas... Encerrando a procissão, Seiscentas e sessenta e seis Saracuras derramaram os potes d’água no pé da cruz e todos ergueram as mãos para o céu e numa só voz entoaram o Pai Nosso...

Zé Pretinho
Enviado por Zé Pretinho em 26/01/2015
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