Minhas filhas, minhas blusas.

Lavei minhas roupas naquela quinta feira, como se estivesse lavando filhos meus, e já que as peças que estavam ali, eram todas blusas, as chamei de meninas. Pois bem, naquela tarde mansa de quinta, dei banho em oito meninas, cada uma com características próprias, muitas diferenças predominantes, cor, valor e até o jeito como se ajustam no corpo, cada coisa diferente e tudo desigual no ver de qualquer um. Faço questão de retirar das lembranças que ainda guardo e assim passar para as letras que clamam pela existência em emaranhados de literaturas no espaço, a peça ou a filha, que mais me deu trabalho no tal trabalho de dar banho em filhas roupas.

A mais barata de todas, e acho que a mais velha também, foi a que me encheu de calos as mãos e por ser de cor clara, já desbotada, a mais branca de todas, me exigia o esforço todo, num reparo único e exclusivo maternal. A máquina que lava, torçe e só falta colocar para dormir, estava ali, mas me diga, que espécie de mãe deixa os filhos nas mãos dos outros, enquanto que a mesma pode sim, executar a tarefa? Se fui mãe por uma tarde, digo- lhe que fui uma das melhores da cidade, do mundo não, não chegaria a tanto o meu exagero. Lavei a garota mais velha com boa vontade, desejando em cada mergulho na água ensaboada, o surgir da sua verdadeira cor, escondida pelas marcas de sujeira, além do mais, como em nenhum outro dia, veio- me em mente, o dever que eu tinha em lavar-lhe assim, desde jeito bravo e com vontade. Se em um dia antes, na quarta, eu a tinha levado para brincar pelas ruas, e em meio a tantos ventos meus e sempre bem posta em meu corpo, fazendo bem o dever de proteger a mãe, talvez de sua nudez, em termo ambíguo e proposital à uma comparação bíblica, minha filha roupa um dia antes da quinta, tinha-me feito bem o trabalho de filha como roupa, e roupa como filha, e das boas. Sabendo eu desde que sou filha, e exigindo desde este tempo também, que o amor de mãe deve ser igual para com todos os seus, confesso que das oito, amei muito minha filha mais velha, e usei de mais cuidado, exatamente com ela. Levando à frente este papo de quinta e esquecendo a conversa de tornar roupas em filhas, minha preferência há um bom tempo, é, pelo que menos chama atenção, quiçá, porque o costumeiro entre a maioria das gentes, seja justamente a explosão de exibicionismo, tomei para mim a cultura de que, sinto-me bem, simples mesmo. Com os pés afastados do chão por mínimos centímetros de couro, ou qualquer que seja o material das sandálias, de sapatos baixos prefiro andar, e se tratando de roupas, está aí o porque, e a razão de minha preferência pela blusa mais simples, clara, e mais velha. E toalha nova? Já reparou que não seca bem teu corpo? 'Pósé ', comigo também já aconteceu, e é por isso, que prefiro ao invés de tecidos muitos novos, os que não lhe abraçam bem o corpo, aqueles que já me são mais íntimos, os que já conhecem meu jeito de andar e cabem exatamente direito em mim. Se as outras blusas-filhas se sentiram enciumadas, eu não sei, tendo eu a convicção de que elas se tornarão também um dia, velhas e de cores desbotadas como a minha predileta, hoje a mais velha, e que o tempo as fará saber, o quanto o meclar de intimidade, num envelhecer com meu corpo proporcionará para a mãe de meninas- roupas a total satisfação, tranquilizo-me. Já e só entrego-me em confissões por debaixo de panos e conversas por códigos são as que mais saem de minhas palavras, desvende- me quem puder! Numa dessas noites tu me vê impressa com uma delas, uma das oito blusas, que só naquele dia, se apresentaram em minhas mãos e no sabão, como filhas minhas, tratadas e lavadas como moças minhas, no meu colo.

Mirela Lourdes
Enviado por Mirela Lourdes em 26/01/2015
Reeditado em 26/01/2015
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