CRÔNICAS DA FIRMINA

Todo mundo cansa um pouco. Até eu. Vejo a Firmina lascada no computador, escrevendo, escrevendo, até sair uma crônica que preste, qualquer coisa, para a próxima edição. Eu fico olhando, pensando, e nada escrevo. Dane-se. Em algum momento alguma coisa vai sair, ainda a tempo, e vou conseguir controlar o mau humor do editor, sempre atarantado, sempre eficiente, com aquela carinha de japonês, aquela eficiência de japonês, aquela vontade de japonês – Acho que no final eles vão ferrar com todo mundo, vão virar chefões do mundo, e todos nós vamos virar prisioneiros da segunda guerra naqueles campos de concentração, vivendo em gaiolas de bambu, enquanto assistimos ao Silvio Santos, comendo obrigatoriamente macarrão instantâneo. Puxa, sou louco para comer a Firmina. Daqui mal vejo a sua testa iluminada pela tela do micro, enquanto escreve, escreve, escreve. Ela tem uma aparência de eficiência que me faz mal. Parece estar sempre ocupada, ativa, do jeito que o japonês gosta. Uma vez ela veio me perguntar quanto eu ganhava e eu falei – Babaca! – Ela foi no japonês e ficou enchendo o saco dele porque eu ganhava mais, porque ela era mulher, porque isto era racismo – Burrice! – E o resultado foi que tomei uma lavagem do japonês que me deixou até ardido. Eu queria tanto comer a Firmina! Chata e invejosa. Mas eu queria, não sei por que. Acho que talvez fosse porque ficávamos os dois até mais tarde trabalhando, ou enrolando, sei lá, e eu ficava vendo a sua testa e as suas sobrancelhas, que se arqueavam e descendiam conforme ia o rumo de seu texto. Parecia que as sobrancelhas escreviam o texto, em vez de seus indicadores. De vez em quando, ela virava de lado e lhe via o perfil todo, enquanto prendia seus lábios entre o polegar e o indicador e seu olhar ia lá para dentro da escuridão.

Aliás, mentira minha – Ela não tem nada de inculta. Sabe das coisas. Uma vez nós fomos a Santiago fazer uma matéria, e ela me chamou no seu quarto. Nós estávamos num hotel esquisito, entalado no meio dos andares de um prédio comercial enorme. Era julho, e estava frio, com a temperatura chegando a zero. Eu vivia brigando com o gerente porque ele mantinha os aquecedores a óleo somente mornos, e os quartos viviam gelados. Fiquei todo empolgado com a Firmina me chamando para o seu quarto. Falei pra ela do frio que estava passando, e ela perguntou se eu queria dormir com ela.

Puxa vida! De fato, ficamos aquecidos, mas não aconteceu nada. Até hoje, não sei se não era para acontecer mesmo, ou se eu fui um panaca, ou se ela estava de sacanagem comigo. Fico olhando para a Firmina escrevendo e escrevendo, e já não tenho a menor vontade. Porque foi tudo há vinte anos, e ela ainda está aqui, e eu ainda estou aqui, e já estou completamente careca e ela está horrorosa.

– Só o japonês que não mudou. Acho que ele vai durar eternamente, vigiando, vigiando, para ver se eu não durmo entre uma vírgula e outra.