Cronica sem nome
Crônica Sem Nome
Rosa Berg.
O sábado caminha preguiçoso. A chuva chegou de mansinho e também preguiçosa. Pensando bem, talvez essa preguiça não seja nem do sábado e nem da chuva. Ela, bem no fundo, está esparramada em mim. Reina um quase silêncio em minha volta. Apenas a cadência da chuva e pio de um pássaro fazem desse silêncio um quase. E nesse quase, minha cabeça viaja. Não sei porque cargas d'água minhas lembranças vão para dentro de um ônibus, lá no estrangeiro, numa cena que me deixou em estado de reflexão. Uma cena nada demais. Uma cena simples. Era quase cinco horas da tarde. Duas jovens e belas mulheres judias, mãe e filha, e um pequerrucho de cabelos encaracolados entraram no ônibus e se sentaram nos bancos traseiros. Chamaram a atenção de minha curiosidade pelas roupas que vestiam. Na cabeça uma touca semelhante ao quipá usado pelos homens judeus. As saias iam abaixo dos joelhos e as pernas eram cobertas por meias bem parecidas com essas meias contra varizes. Meus olhos teimosos me traiam. Virava e mexia lá estavam eles vasculhando aquelas mulheres de pele de seda. Elas sorriam para mim e eu para elas . Eu nem sei o que eu pensava. Ás cinco horas em ponto, elas abriram a bolsa e retiraram de dentro um livrinho de capa preta. Ao abrirem pude ler o título "ZOHAR" e pude ver dentro as letras em hebraico. Durante uma hora de viagem, as duas passavam as páginas e movimentavam os lábios completamente concentradas em suas orações. O pequeno garoto parecia entender o momento e apenas balançava os pezinhos no colo da mãe. Eu estava hipnotizada assistindo a cena. Completamente tomada por um êxtase e respeito ao momento religioso daquelas duas mulheres. Ao terminarem, elas guardaram os livros e voltaram a sorrir para mim. Ao chegarem no destino, despediram-se desejando-me uma noite abençoada. Continuei a viagem pensando naquelas duas e como não poderia deixar de ser, fui procurar o que era o Zohar. Hoje, nesse silêncio, o Zohar, que em hebraico significa esplendor, me deu de presente esta esplendorosa recordação.