No Jardim das Beguines

Para terras estrangeiras, eu viajo sozinho, sem guia. Ninguém me conhece. Ninguém me sonda. Sinto-me livre. É inexplicável a sensação. Para mim é terapia, uma brisa que me acalma o espírito e aguça minha percepção das coisas, das pessoas, de tudo que me cerca. É aprendizado, um mergulho no ser do mundo e no meu, de onde volto mais humilde, mais sábio, mais eu.

Caminhar, observar, sentir. O tempo é meu, preencho-o do meu jeito. Planejo tudo, mas não cumpro à risca o que planejei. Ainda bem. O acaso me abre portas o tempo todo, convidando-me a descobertas inesperadas. Uma praça, um monumento, a entrada de um convento, de uma igreja... Paisagens inusitadas surgem de repente, no virar de esquinas. Vistas impressionantes. Prédios antigos. Portas que me atraem como ímã. Às vezes entro e descubro um museu, uma galeria de arte, um brechó, uma livraria, um café...

Foi assim que descobri o "Jardim das Beguines" ("Begijnhof"), em Amsterdã.

Caminhando por uma região movimentada da cidade, cheia de livrarias, cafés e restaurantes, de repente me deparei com uma grande porta de madeira, num prédio de tijolos vermelhos que, pela minha curta experiência na cidade, me pareceu ser do século XVII. No alto da porta, talhada em pedra, a inscrição "Begijnhof". Enquanto eu olhava, de lá saiu um casal com mochilas nas costas. Turistas, pensei. Criei coragem e entrei.

Atravessei um pequeno túnel, abri uma outra porta de madeira, menor que a primeira, e lá estava: um belo e silencioso jardim, cercado por casas em estilo holandês antigo e uma capela. As Beguines (ou Beguinas) eram mulheres viúvas ou solteiras pertencentes a uma comunidade religiosa católica surgida na Idade Média, a única que sobreviveu à tomada de Amsterdã pelos protestantes em 1578. Elas não faziam votos, mas levavam uma vida casta, dedicada a ajudar os mais necessitados. Viveram ali durante séculos, até a morte da última Beguine, em 1971.

Ali eu fiquei por cerca de duas horas, caminhando, observando árvores e flores, rezando na capela, pensando na vida e escrevendo em meu diário de viagem. Ao sair do jardim e cair de novo no burburinho de uma das regiões mais badaladas de Amsterdã (o Het Spui), senti como se tivesse passado por uma espécie de purificação. Eu estava mais leve, mais feliz, mais vivo.

Considero-me uma pessoa simples. Não ligo para aparência. Sem ser pão-duro, economizo muito comigo: não gosto de festas e badalação, carros e motos do ano, roupas e restaurantes caros, objetos de decoração, notebooks, celulares e outras engenhocas tecnológicas. Isso não me faz falta. Economizo para poder viajar uma vez por ano, primeiro com a minha família, para onde ela gosta de ir (praias, parques), e depois sozinho, por terras estrangeiras, para me purificar, me conhecer melhor e aguçar minha visão do mundo. Enquanto eu puder, farei isso.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 23/01/2015
Código do texto: T5111894
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