Uma história de amor perfeito

Pela sexta vez na semana acordei de ressaca - e hoje ainda é sexta. Olhei para o lado e não tinha ninguém na cama comigo, o que me fez fechar os olhos para agradecer a qualquer Ser Superior que não tenha permitido esse trágico acontecimento mais uma vez. Arrastei o notebook para perto de mim, ainda deitada, digitei meu login e senha no facebook. Um cara novo me adicionou e já tinha puxado assunto. Ele é dentista, eu curso odontologia. Eu moro no interior, ele na capital. Figurei toda a nossa vida juntos e até pensei se ficaria legal usar o sobrenome dele. Nos trombaríamos na calçada de uma praia no litoral, estaríamos indo para lados opostos, eu o diria para ter cuidado por onde anda, ele sorriria e colocaria uma mão no meu braço: "A gente se conhece, lembra? Sou o cara gato e cirurgião dentista que você conversa no facebook", não com essas exatas palavras, claro. Então, nós sairíamos para tomar um café, depois um chá e por fim, um banho. Iríamos ao cinema mais do que o suficiente por semana, ele pagaria porque não suportaria não ser um cavaleiro - não que isso fosse importante pra mim, mas se era para ele, por que não concordar? E ele não iria embora no domingo de manhã. Na segunda, me daria carona para a faculdade, para o trabalho e para levar nossos filhos à escola. Duas meninas - porque meu corpo rejeitaria qualquer outro homem na minha vida - morenas, com meu sorriso e os olhos dele. Nós brigaríamos para escolher o tapete novo para a sala, a cor do piso da cozinha e a cortina do quarto. Eu não ganharia todas as discussões, nem ele. Saberíamos dividir as contas e a cama sem pestanejar. Receberíamos uma ligação do hospital na madrugada de uma segunda-feira - meu pai precisaria ser operado. Ele não voltaria a dormir. Deixaria as crianças com a babá número dez, porque nenhuma seria boa o suficiente pra cuidar delas e eu obrigatoriamente despediria quase todas. Me acompanharia até o hospital, colocaria a mão no meu ombro e eu me viraria com os olhos cheios de lágrimas. Ele me abraçaria até o pesadelo acabar. Acordaria no dia seguinte para me trazer um café da manhã na cama. Eu diria: "Não gosto de café na cama." Ele sorriria de canto, porque saberia ser mentira. Ele não gostaria de me ver fumando, mas jamais me julgaria por isso e por vezes me ajudaria a dar um último trago - ele só não ficaria feliz ao lembrar que cigarro mata um pouco mais rápido. Eu não iria precisar fingir não gostar do cheiro dele ou do gosto da boca, porque ele simplesmente não iria embora nunca. Nem quando eu escondesse a história do primeiro beijo da filha mais velha, ou a nota de matemática ruim da mais nova. Teríamos uma festa para a Bodas de Prata e depois de um tempo, a de Ouro. Eu estaria cheia de rugas e ele mais gordinho do que quando o conheci, mas nos acharíamos lindos e sempre deixaríamos claro um para o outro o quanto nosso amor seria grande. Não morreríamos simultaneamente, mas quando um fosse, o outro estaria segurando sua mão. Ninguém faria um livro ou um filme sobre nós, apenas se lembrariam com saudade do tamanho do nosso amor.

E aí é que tá a minha dúvida. Por que é que mulher tem essa mania estranha e completamente louca de idealizar tudinho mesmo sabendo que nunca vai acontecer?

Jess A
Enviado por Jess A em 23/01/2015
Código do texto: T5111843
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