BOA ÁGUA DE BEBER

A tentativa da criação poética – nos domínios do lírico-amoroso – é muito personalíssima. Até porque, no amar, cada um dos polos ama segundo o seu patamar de disponibilidade, envolvimento, necessidades e entregas. Só quem o sente poderá conceber e lhe dar concretude através de palavras, construindo alegorias assentadas em signos verbais verazes e primordiais que falem por si. Não há como fazê-lo a quatro mãos, mesmo que o convite para a parceria seja ao outro polo afetivo. Porque o poema lírico não se faz apenas pelos vocábulos. Há que haver vontade e verdade subjacentes. Cada pessoa frutifica o seu amor e o perfaz também em palavras, congeminando desejos, atos e gestos. As mais das vezes o ator/autor fica tão embevecido que não o consegue materializar a ponto de formar imagens. Usualmente ocorre um bloqueio emocional na cuca de quem ama e se torna difícil exprimi-lo em versos, que, por si só, já são códigos íntimos e personalíssimos. Emoção e intelecto se bicam. Por vezes se anulam. E a lucidez da palavra perde a vaza. O amar se esvai por entre os dedos como se água fosse. Boa água de beber. E todos a querem escorrendo pelos cantos da boca, com o olor desejado de chocolate com menta, cujo sabor se projete ao céu palatino. Porém, o amar vai além do corpo, é céu interior de inteira voz. E a água vira sangue...

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014/15.

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