A foto perdida
A Multidão aplaudia. O apresentador esmerava-se nos adjetivos. Afinal, uma retrospectiva de cinquenta anos de trabalho duro não se consegue assim tão facilmente. Cinquenta anos. Quanta coisa mudou. Quantas reviravoltas. Alegrias que se foram. Paixões que pareciam nunca mais acabar. Tudo diluiu-se, derreteu-se nessas décadas.
- “ Estamos aqui reunidos para homenagear cinquenta anos de fotografias, cinquenta anos de trabalho, cinquenta anos de história registrada pela Sra. N.” .
A voz do apresentador parecia tão longe.....
.....como eu era no inicio? Com vinte e um anos? Quantas fotos mal reveladas, quantas fotos inúteis, mas também quantas fotos magníficas. A maquina não era tão boa, mas a intenção era. A vontade e o entusiasmo também. Como as fotos que tirava na praia.....tantas fotos do luar de verão. Engraçado, não consigo me lembrar exatamente delas. E as fotos do entardecer, o sol caindo, o rio com seus reflexos. Que cor eram mesmo os reflexos? Avermelhados? Não, prateados? Não me lembro bem. Pessoas , animais, areia, sol. Nada disso mais existe. Nem mesmo em minha memória. Preciso me lembrar..ao menos de uma foto daquele verão. Estranho, tem uma foto que me lembro bem, uma gaivota dançando para mim, o mar ao fundo, os tons de um azul profundo. O vento forte fazia a areia quase machucar minha perna. A dança silenciosa da gaivota, posso me lembrar de cada movimento. Até o cheiro é presente. Ah, sim, agora me lembro bem, essa foi a foto que perdi, fiquei tão maravilhada com a imagem que esqueci de apertar o botão. Depois disso, passei quase uma semana irritada por perder a foto perfeita. Me sentindo péssima, incompetente. A única foto que eu não tirei. Agora eu sei, essa foto eu vivi.