A República do Nelson

Nos seus primórdios ela ficava numa esquina da rua Itapecerica com - se me não engano - a avenida Getúlio Vargas, num prédio de alpendre, grades de ferro, e já cheio dos sinais dos tempos, mas dum charme atemporal.

E a Itapecerica, que conduzia a uma das saídas da cidade de Divinópolis dos Candidés, por sua vez era uma rua bem particular, pois naquela imensa grade urbana em ângulos retos, era das poucas perpendiculares - e o seu calçamento, irregular e em poliedro, também diferia dos paralelepípedos de então. Mas era a plaquinha República do Nelson que chamava - e charmeava - a atenção: cheio de guapos aquele casarão.

Chefiava a tribo um gorducho amorenado, Seu Nelson, tá apresentado. Cabelos negros, que se salpicavam de grisalho, sorriso fácil, e uma popularidade quase sem igual, evidenciada,invariavelmente, a cada carnaval, e desde antigamente: era o indisputável Rei Momo da cidade, o animador das quadrilhas nas festas juninas e só não admitia ser casadoiro em razão do desvelo maior com que dedicava aos seus rapazes que, por gerações ali na República se hospedavam e depois, bem-casados seus lares formavam, ou outras plagas ganhavam.

Conquanto fugazmente, fui um desses moços nelsonianos. Mas quando a República já migrara para a esquina da Rio de Janeiro com a bela praça do Santuário, mais central. Se não experimentei, por ainda menor de idade e ainda estudante, ao menos testemunhei o prestígio que gozava a rapaziada do Nélson, provindos de cidades vizinhas e até de mais remotas quando não de outros estados da Federação, muitos deles empregados em bancos, ou estudantes nas faculdades locais que se expandiam feito ramas de batatais.

Sem esperanças imediatas que me chegassem a barba e uma oportunidade de trabalhar feito aqueles co-pensionistas namoradores - tinha que terminar o colégio forçosamente - e após um semestre de convívio, desisti daquele encantamento a troco de plaga mais amena e de custo mais compatível.

O Nelson foi que continuou a engordar seu patrimônio com o momismo carnavalesco, a recepção nos fins-de-semana das hordas de estudantes forâneos que movimentavam as faculdades candidés, e a sua solteirice inabalável, quase maternal a ponto, que numa de suas tiradas, ao receber aflito telefonema de uma moçoila desconhecida a respeito de um de seus pensionistas disse candidamente que ele havia recém-saído com a noiva.

Noiva, mas como, se sou eu a noiva dele, aqui em Ponte Nova? Ao que mais cândido ainda Dom Nelson tranquilizou a ofegante donzela: - Desculpe, Senhorita, que não nos conheçamos pessoalmente, é que fazem muito trote aqui com meus republicanos e eu tenho que proteger a inocência de meus rapazes, desse assédio rapaz. Como eu brinco muito com eles todos, sem distinção, eu quero esclarecê-la que chamo de noiva de seu Luisinho, o seu violão, do qual ele é inseparável. É cada música bonita que toca, que chega a chorar da saudade de você, que ao que se vê, parece que não se toca...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 22/01/2015
Reeditado em 22/01/2015
Código do texto: T5110784
Classificação de conteúdo: seguro