Preocupações com o futuro!
Minha mãe anda preocupada comigo:
- Você, menina, com essa inteligência toda, ganhando metade de um salário, num empreguinho sem futuro, vai viver de quê? Já estou vivendo, minha mãe, dia após dia, estou acordando cedo, conversando com os pássaros, sentindo o vento da vida no rosto.
-Mas está morando num lugar pequeno, apertado, podia morar numa casa maior, com melhores condições! Estar num casarão não é sinônimo de felicidade, mãe. Moro só, não tenho preocupações em ser roubada, não há nada para roubarem, além das minhas plantas. Meu pequeno quadrado está sempre limpo para receber os amigos, e não consigo enxergar melhores condições do que a paz que tenho aqui.
- A sua casa está cheia de planta, desproporcional para um espaço pequeno, daqui a pouco nem vai ter onde dormir! Mãe, melhor conviver com as plantas (que são felizes e silenciosas) do que com gente ou tralhas. Os móveis sujam, estão mortos; as plantas são vida e me alimentam. Não me sinto apertada, ao contrário, acompanhar o crescimento delas é puro aprendizado!
- E esses trapos que você usa? Vão pensar que não tem o que vestir! Os trapos que uso me deixam mais leve para dançar. Se eu me preocupasse com o pensamento do outro, sequer me mexia.
- ai, meu Deus! Não entendo essa menina, nasceu com o cabelo lindo, preto e amanteigado de tão brilhoso, bom como o meu, alvo de constantes elogios, para estragá-lo fazendo esses dreads horríveis, deixando-o péssimo! Bom ou ruim é uma questão de perspectiva, mãe, e se tratando de cabelos é tão superficial. Meu coração é bom, e isso importa.
- E a faculdade, abandonou logo duas, ficará sem perspectiva nenhuma de crescer na vida! Não vejo mãe, de maneira alguma, possibilidade de crescer meio ao concreto, e à prisão de pensamento. Não havia espaço de convivência, não havia espaço para criar, apenas reproduzir o já ultrapassado dito alheio. Aprendo sozinha, cresço junto à minha produção, minhas leituras, meus poemas. Melhor faculdade é a verdade da vida, espontânea, livre e colorida.
- Poesia não dá pão a ninguém! Estou preocupada com seu futuro, vai se manter como? Me mantenho com os pés firmes, a cabeça livre de conflitos, e a concentração no agora. Amanhã estarei provida, como sempre estive, porque tenho o sol para me servir de pão. Tenho amigos e tenho Amor no coração.
- Ai, ai! Essa menina só pode ter sido gerada em outro planeta! Não consigo entender uma jovem que não vai a festas, não gosta de nada que gosto, parece uma velha, seria bom um marido, não? Agradecida, mãe, pela sugestão, mas não quero homens.
- E quer mulher é? Virou sapata? Não, absolutamente não tenho atração por mulheres. É necessário querer alguém? Já estive com homens, foi bom e passou. Ficarei com as boas lembranças, agora me construo sozinha, sem preocupações desnecessárias.
- Só quero que você seja feliz, filha. Reveja seus conceitos que você vive em uma sociedade, ou então vá morar no mato! Sou feliz sim, mãe, agora sou. O sofrimento da vida inteira me fez aprender, me fez uma pessoa diferente, me fez ser o que sou, e só agradeço por isso. Sempre quis morrer por não compreender o mundo, não suportar injustiças, por me carregar de tanta dor. Um dia rasgarei os documentos inúteis que me reduzem a números, e morarei na floresta, onde poderei ser rainha. Por enquanto, ainda estou aqui. Caminhando à margem de uma sociedade confusa, estou aqui, me esclarecendo, vivendo a eternidade do agora, conhecendo a felicidade que está em toda a parte.
O futuro, quem sabe? Que me importa ficar pensando e pensando e pensando... Melhor é ver o sol nascer e se pôr todos os dias. Todo dia é santo, mãe, a magia é poder viver o agora, sem preocupações!