São Sebastião e guerreiros
Esta é uma crônica, nada mais do que isto. Achei interessante registrar as minhas impressões sobre a Praia pra Todos, coisa que eu tenho feito, esporadicamente, ao longo de alguns anos, mas agora sob um outro ângulo: como chegar a ela?
Terei que perder alguns dias para fazer trabalhos sobre coisas lindas que eu já presenciei em 2015, inclusive por conseguir colocar Márcia Garcês de novo em contato com o Instituto Novo Ser em Copacabana, no dia 18 de janeiro de 2015.
Mas Márcia vai ter que esperar pra eu continuar gritando a seu favor, pois agora Victor Pereira de Souza surgiu na minha vida, nas nossas vidas, na vida de todos que participaram do evento cultural e de lazer neste dia.
Márcia tem cuidadoras pelo seu plano de saúde. Ela tem esta regalia há poucos anos, quando eu a alertei sobre seus direitos. Por muitos anos ela ficou à mercê de pessoas completamente despreparadas, ficando suja, largada num leito, por falta de condição financeira.
Ela precisa de técnicos que tenham força para levantá-la. Quando a enfermagem (do Home Care) não é preparada, ela fica na cama mesmo... Um tetraplégico não se abate por pouca coisa, mas ela estava quase em depressão por não poder sair e ir à praia. O Home Care é pra pacientes acamados. Ninguém tem obrigação de sair da casa de um doente pra ele tomar banho de sol e mar. ESTA É A REALIDADE!
A mãe de Márcia hoje briga com o plano de saúde e diz que sua filha tem um cérebro perfeito e pensa. Mesmo que não o tivesse, ela tem DIREITO de ser muito bem cuidada e ter lazer fora do leito, fora de sua casa. Ela tem esclerose múltipla em alto grau.
Ainda bem que ela foi convidada para participar de um evento cultural na praia pra Todos. Assim, ela pôde ir, com a enfermagem do plano de saúde, junto de uma técnica que chegou junto, para uma das coisas que mais a faz feliz: A PRAIA.
Mas se a técnica (do HOME CARE) não gostasse de praia ou sol, ela tinha que ficar dentro de sua casa, naquele lar (cheio de amor, mas nada adaptado), esperando a boa vontade dos outros. E, mesmo assim, a técnica, se sem capacidade de dar banho no chuveiro, ia impor banho de aspersão no leito! Isto é COMPLETAMENTE IRREGULAR! Ela pode ficar na vertical!
As dificuldades financeiras e imposições sociais de Márcia Garcês para estar feliz, ao lado de todos na praia adaptada, e diante de tantas injustiças que acontecem, devem seguir o mesmo rumo de Victor, codinome Victor Pesant, que pinta com os pés. Ele, pelo menos, anda, mas não tem coordenação motora, apresentando movimentos tônicos e clônicos por todo seu corpo o tempo todo. Foi assim que eu o conheci, desastradamente.
Eu fotografava placidamente os quadros dos pintores que usam suas mãos, pés ou boca. Eu estava mais interessada em fazer um artigo cultural sobre o Instituto Novo Ser. Acontece que eu sou cronista; eu registro o momento de minha vida. Este foi o momento da vez:
Eu me abaixei pra admirar um quadro que estava no chão. Eu sabia que estava sendo pintado com os pés de alguém, mas não liguei para o autor. Eu me detive na obra que se concretizava. Logo depois senti que me puxaram a bolsa e tocaram no meu corpo com força. Era Vitor, não o Hugo, mas um artista que mora na favela da Maré.
-“Cara, por que pegou na minha bunda?”.
- “Desculpa. Foi sem querer!”.
A partir de então comecei a fotografar menos e a sentir mais. Durante uma bela manhã de domingo registrei vários trabalhos e o movimento daquela gente toda que criava ali pra dar felicidade a uma população que esquece da sua sociedade.
Tomei muito banho de mar, já que tenho todos os meus movimentos, mas eu me sentia atraída pela pintura daquele rapaz, pontinho por pontinho do pincel. Por isto voltei muitas vezes ao seu quadro pra ver se ele tinha pintado os defeitos.
- “E aí? Como é que vai completar aquela falha entre o rosto dos dançarinos?”.
Não paguei pra ver, mas ele fez de graça, em pouco tempo, aquilo demoraríamos muito pra fazer. Talvez nunca.
A praia pra Todos tem um tempo definido nos fins de semana e o horário das cadeiras anfíbias e dos voluntários estava no fim naquela tarde de domingo. Eu vi Victor e sua mãe se arrumando pra irem embora. Não me conformei, perguntando:
-“Não vão tomar banho de mar? Você quer entrar no mar, Victor?”.
-“Eu quero!”.
Eles estavam muito encabulados, como é o público que passa e assiste à Praia pra Todos. A organização não foi feita só apenas para pessoas com cadeira de rodas, mas pra qualquer pessoa com dificuldade de locomoção e que precisa de ajuda pra encontrar e sentir o mar - de qualquer idade, com qualquer problema de saúde. É só dizerem: preciso de vocês!
Resolvi, então, colocar Victor e a mãe dele nas águas de Copa, como cidadãos comuns. Não foi fácil. Um voluntário da Praia pra Todos tem que ter preparo, estudo, técnica, muito conhecimento, prática. Isto pode ser conseguido com boa vontade, com disponibilidade, treino e com muita consciência. É preciso inteligência, força de vontade e JUVENTUDE!
Eu estava com Victor no mar, ao lado de sua mãe, como qualquer cidadão. Eu torci meu pé umas três vezes, tentando aliviar a força de seu corpo contra a água. Eu machuquei meu ombro duas vezes quando eu sequei seus olhos, toda vez que ele quis mergulhar. Victor pegou na minha bunda umas três vezes, mas o que ele menos pensava era em mim, senão no mar, que ele sentiu depois de dois anos afastado do mesmo. Eu, ele e sua mãe fizemos contato imediato lá nas águas cheias de algas marrons de Copacabana. São pessoas maravilhosas!
No mundo de hoje assistimos absurdos na sociedade mundial, com violência e desrespeito, não só no Brasil. É muito difícil falar sobre a Praia pra Todos enquanto uma criança leva bala perdida na cabeça, como tem acontecido. Mas precisamos reagir e fazermos desta cidade enorme, que é o Rio de Janeiro, que tem a extensão de alguns países, abençoado por São Sebastião guerreiro, um lugar melhor.
Convoco os jovens pra Praia pra Todos Nós. Não convoco religiosos, que seguem doutrinas, ou militantes políticos, mas os sábios, os cidadãos, estudiosos, trabalhadores e as pessoas comuns com alguma capacidade de verem além; aqueles que pagam impostos e que querem ver em seu reduto um mundo digno.
Sejam voluntários. Aprendam com a diversividade. Este futuro (bonito) pode ser o seu.
Prometo, ao longo de alguns meses, fazer um trabalho sobre este momento, mas tudo que se come quente e cru não faz boa digestão. Talvez no inverno eu o conclua. Por hora, só crônicas e, porventura, trabalhinhos audiovisuais.
Leila Marinho Lage
Clube da Dona Menô
http://www.clubedadonameno.com
Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2015
Dia do Padroeiro da Cidade, São Sebastião
Esta é uma crônica, nada mais do que isto. Achei interessante registrar as minhas impressões sobre a Praia pra Todos, coisa que eu tenho feito, esporadicamente, ao longo de alguns anos, mas agora sob um outro ângulo: como chegar a ela?
Terei que perder alguns dias para fazer trabalhos sobre coisas lindas que eu já presenciei em 2015, inclusive por conseguir colocar Márcia Garcês de novo em contato com o Instituto Novo Ser em Copacabana, no dia 18 de janeiro de 2015.
Mas Márcia vai ter que esperar pra eu continuar gritando a seu favor, pois agora Victor Pereira de Souza surgiu na minha vida, nas nossas vidas, na vida de todos que participaram do evento cultural e de lazer neste dia.
Márcia tem cuidadoras pelo seu plano de saúde. Ela tem esta regalia há poucos anos, quando eu a alertei sobre seus direitos. Por muitos anos ela ficou à mercê de pessoas completamente despreparadas, ficando suja, largada num leito, por falta de condição financeira.
Ela precisa de técnicos que tenham força para levantá-la. Quando a enfermagem (do Home Care) não é preparada, ela fica na cama mesmo... Um tetraplégico não se abate por pouca coisa, mas ela estava quase em depressão por não poder sair e ir à praia. O Home Care é pra pacientes acamados. Ninguém tem obrigação de sair da casa de um doente pra ele tomar banho de sol e mar. ESTA É A REALIDADE!
A mãe de Márcia hoje briga com o plano de saúde e diz que sua filha tem um cérebro perfeito e pensa. Mesmo que não o tivesse, ela tem DIREITO de ser muito bem cuidada e ter lazer fora do leito, fora de sua casa. Ela tem esclerose múltipla em alto grau.
Ainda bem que ela foi convidada para participar de um evento cultural na praia pra Todos. Assim, ela pôde ir, com a enfermagem do plano de saúde, junto de uma técnica que chegou junto, para uma das coisas que mais a faz feliz: A PRAIA.
Mas se a técnica (do HOME CARE) não gostasse de praia ou sol, ela tinha que ficar dentro de sua casa, naquele lar (cheio de amor, mas nada adaptado), esperando a boa vontade dos outros. E, mesmo assim, a técnica, se sem capacidade de dar banho no chuveiro, ia impor banho de aspersão no leito! Isto é COMPLETAMENTE IRREGULAR! Ela pode ficar na vertical!
As dificuldades financeiras e imposições sociais de Márcia Garcês para estar feliz, ao lado de todos na praia adaptada, e diante de tantas injustiças que acontecem, devem seguir o mesmo rumo de Victor, codinome Victor Pesant, que pinta com os pés. Ele, pelo menos, anda, mas não tem coordenação motora, apresentando movimentos tônicos e clônicos por todo seu corpo o tempo todo. Foi assim que eu o conheci, desastradamente.
Eu fotografava placidamente os quadros dos pintores que usam suas mãos, pés ou boca. Eu estava mais interessada em fazer um artigo cultural sobre o Instituto Novo Ser. Acontece que eu sou cronista; eu registro o momento de minha vida. Este foi o momento da vez:
Eu me abaixei pra admirar um quadro que estava no chão. Eu sabia que estava sendo pintado com os pés de alguém, mas não liguei para o autor. Eu me detive na obra que se concretizava. Logo depois senti que me puxaram a bolsa e tocaram no meu corpo com força. Era Vitor, não o Hugo, mas um artista que mora na favela da Maré.
-“Cara, por que pegou na minha bunda?”.
- “Desculpa. Foi sem querer!”.
A partir de então comecei a fotografar menos e a sentir mais. Durante uma bela manhã de domingo registrei vários trabalhos e o movimento daquela gente toda que criava ali pra dar felicidade a uma população que esquece da sua sociedade.
Tomei muito banho de mar, já que tenho todos os meus movimentos, mas eu me sentia atraída pela pintura daquele rapaz, pontinho por pontinho do pincel. Por isto voltei muitas vezes ao seu quadro pra ver se ele tinha pintado os defeitos.
- “E aí? Como é que vai completar aquela falha entre o rosto dos dançarinos?”.
Não paguei pra ver, mas ele fez de graça, em pouco tempo, aquilo demoraríamos muito pra fazer. Talvez nunca.
A praia pra Todos tem um tempo definido nos fins de semana e o horário das cadeiras anfíbias e dos voluntários estava no fim naquela tarde de domingo. Eu vi Victor e sua mãe se arrumando pra irem embora. Não me conformei, perguntando:
-“Não vão tomar banho de mar? Você quer entrar no mar, Victor?”.
-“Eu quero!”.
Eles estavam muito encabulados, como é o público que passa e assiste à Praia pra Todos. A organização não foi feita só apenas para pessoas com cadeira de rodas, mas pra qualquer pessoa com dificuldade de locomoção e que precisa de ajuda pra encontrar e sentir o mar - de qualquer idade, com qualquer problema de saúde. É só dizerem: preciso de vocês!
Resolvi, então, colocar Victor e a mãe dele nas águas de Copa, como cidadãos comuns. Não foi fácil. Um voluntário da Praia pra Todos tem que ter preparo, estudo, técnica, muito conhecimento, prática. Isto pode ser conseguido com boa vontade, com disponibilidade, treino e com muita consciência. É preciso inteligência, força de vontade e JUVENTUDE!
Eu estava com Victor no mar, ao lado de sua mãe, como qualquer cidadão. Eu torci meu pé umas três vezes, tentando aliviar a força de seu corpo contra a água. Eu machuquei meu ombro duas vezes quando eu sequei seus olhos, toda vez que ele quis mergulhar. Victor pegou na minha bunda umas três vezes, mas o que ele menos pensava era em mim, senão no mar, que ele sentiu depois de dois anos afastado do mesmo. Eu, ele e sua mãe fizemos contato imediato lá nas águas cheias de algas marrons de Copacabana. São pessoas maravilhosas!
No mundo de hoje assistimos absurdos na sociedade mundial, com violência e desrespeito, não só no Brasil. É muito difícil falar sobre a Praia pra Todos enquanto uma criança leva bala perdida na cabeça, como tem acontecido. Mas precisamos reagir e fazermos desta cidade enorme, que é o Rio de Janeiro, que tem a extensão de alguns países, abençoado por São Sebastião guerreiro, um lugar melhor.
Convoco os jovens pra Praia pra Todos Nós. Não convoco religiosos, que seguem doutrinas, ou militantes políticos, mas os sábios, os cidadãos, estudiosos, trabalhadores e as pessoas comuns com alguma capacidade de verem além; aqueles que pagam impostos e que querem ver em seu reduto um mundo digno.
Sejam voluntários. Aprendam com a diversividade. Este futuro (bonito) pode ser o seu.
Prometo, ao longo de alguns meses, fazer um trabalho sobre este momento, mas tudo que se come quente e cru não faz boa digestão. Talvez no inverno eu o conclua. Por hora, só crônicas e, porventura, trabalhinhos audiovisuais.
Leila Marinho Lage
Clube da Dona Menô
http://www.clubedadonameno.com
Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2015
Dia do Padroeiro da Cidade, São Sebastião