A arte de ver arte e beber cerveja (cara e coroa)
CARA
O passeio está correndo bem. Após uma caminhada exaustiva estamos chegando àquele museu fantástico que poderia estar vazio e ter apenas o “Nascimento de Venus” de Botticelli que já valeria a pena a visita. Quando eu poderia imaginar que veria esse quadro pessoalmente? Tão absorvido em meus pensamentos que não noto os sinais no nosso pequeno grupo.
- Gente, como esta quente!
- Estou morta de cansaço!
- Esse museu não chega nunca?
- Estou morrendo de sede!
Quando a insatisfação se generaliza, uma sugestão é gentilmente imposta.
- Podíamos parar nesse barzinho e ficar tomando cerveja.
– Mas pessoal, o museu fecha as 17h e já são 16h. E para meu desespero, olhando em todos os rostos não encontro nenhum solidário.
Que bando de bêbados preguiçosos. Para tomar cerveja não precisavam viajar milhares de quilômetros. Podiam beber em qualquer boteco ensebado de esquina no seu próprio bairro.
- Vamos lá, só uma cerveja para refrescar. A ditadura da democracia é implacável. Uma cerveja vira meia dúzia, quando exasperado eu me levanto e acabo indo sozinho. Entro no museu as 16:45h. Suando, corro perdido pelos corredores, subo e desço escadas e finalmente chego a frente da tão ansiada obra. Apenas por um detalhe, entre mim e a tela existem umas trinta pessoas. Me estico, dá para ver um pedacinho da cabeça da Venus, me abaixo, consigo ver a concha em seus pés. Tento me infiltrar na multidão, agora já não vejo nada. Empurro um, rastejo, me aperto, avanço alguns centímetros. E finalmente, estou na sua frente, consegui. A virgem desnuda parece sorrir para mim, me recompensando o esforço, quando o som agudo de um apito soa em meus ouvidos. E o guarda falando: - tempo finito, andiamo chiudere, tempo finito e vai nos empurrando para a porta da saída. Saindo, na lojinha do museu comprei uma reprodução do nascimento da Venus, por cinquenta dólares, provavelmente acharia no Brasil uma igual por vinte reais.
E ninguém entende a atitude agressiva, quando, já sentado no bar com o grupo, rasgo a reprodução e atiro sobre eles ao perguntarem se gostei do museu.
COROA
O passeio está correndo bem. Você olha os barzinhos simpáticos com uma lista infindável de cervejas, de todos os tipos, cores, teores alcoólicos e pensa consigo mesmo: vou experimentar todas. Mas ai o grupo resolve ir a um museu. Pequeno, mas que tem um quadro maravilhoso de um holandês obscuro, ou coisa parecida. Quando você abre a boca para dizer que prefere as cervejas, as farpas flamejantes do olhar de sua esposa são definitivas, vamos ao museu. Tenha em mente que cada minuto economizado do museu será um minuto a mais na cervejaria, então, cuidado com as armadilhas. Arte só oferece duas opções: gostar ou não gostar, qualquer tipo de análise é supérflua. Mas as duas opções têm suas ciladas.
Você passa rapidamente pelo quadro do holandês quando uma pessoa do grupo diz: - maravilhoso, não? Você está numa encruzilhada. Concordar ou não? Eu penso, “não quero polemizar e muito menos demorar” e respondo: - É sim. Aí vem a primeira armadilha. A pessoa continua: - Eu acho que o artista queria expressar..... e parece que aí vai começar uma infindável discussão sobre o indiscutível. - Não, não acho nada, quem achou foi o artista, tanto que fez a maldita pintura. E saia rapidamente.
Segunda alternativa: eu penso, vou ser honesto: - Não, não gostei. E ai vem a nova emboscada. – Por quê? Nessa hora, muita calma e reporte-se à infinita sabedoria de seus pais, que sempre tinham a resposta exata a essa pergunta. Encha o peito e profira o melhor dos argumentos: - “porque não”. E saia rapidamente.
Pronto, você já está sentado na cervejaria, apreciando os distintos maltes, quando o grupo sai. Mal te olham. Você agora é um proscrito. Um não amante da arte. Graciosamente levante seu copo com o magnífico liquido dourado e dirija-lhes um brinde. Aproveite intensamente esse momento, pois você pagará por ele pelo resto de sua existência.