A FINITUDE E O UNIVERSO DA POÉTICA *
Graças ao transcurso do tempo sobre as experimentações, percebo o derramamento de variações emotivas e sigo o curso das inquietantes águas da fluida vertente captada pelos signos e imagética, os quais, por serem matéria abonada pelos sentimentos, escoam mais densamente nas tormentosas artérias dos arautos do Mistério.
Ocorre, quando destes derramamentos, pouco controle intelectivo sobre estas imagens intimistas traduzidas por vocábulos e símbolos gráficos pautando o ritmo de sua fluência. E a comunicação poética se estabelece através da singeleza de gestos e atos.
Um típico exemplo destes surgimentos é a garatuja tatuada nos guardanapos de bar, durante as longas madrugadas de ausências em solitude, geralmente brindadas com bebida alcoólica, parceria válida para autores em qualquer faixa etária. E ao travesseiro, de volta à casa, quando o sono assoma, a cabeça repousa sonolenta nos emotivos desdobramentos do poema, olores latentes num corpo destroçado por cansaço e frustrações.
A fictícia condenação ao abismo portadora de malévolos desejos de isolamento e morte sobrevém várias vezes, enquanto transcorrem estes surtos, produzindo destroços psíquicos propositivos ao inconsciente mergulho emocional no “estado de Poesia” e à decorrente composição de versos norteados por valores hauridos, tidos, havidos e exsurgidos de momentos e situações tão peculiares e propícios à criação poética.
O ser amante requer a tradução da ausência física do objeto de sua possessão em presença espiritual dentro de si: o poema é a ponte possível entre o mundo real e o idealizado.
Também podem exsurgir e vir a desaguar no universo pessoal geralmente anárquico-libertário variegadas necessidades e/ou angústias e ansiedades comunitários regionais, nacionais e/ou universais, fortemente engastadas no comumente chamado poema social, pelo qual o poeta-autor denuncia e anseia pelo resgate do exercício de voz e ações críticas em tempos de opressão ou ditaduras de grupos representativos dos interesses do poder econômico e/ou decorrente de ações estatais.
Os criadores artísticos, especialmente os que lidam com a palavra no exercicio do direito subjetivo público de expressão do pensamento (que é sempre pautado pelo respeito aos direitos individual e coletivo), a urgência e proteção das pessoas visando o resguardo do todo societário através do banimento das injustiças no seio social, a todo e qualquer tempo.
Como brasileiro verdadeiramente democrata, é imperioso fazer um mea culpa: nossa amada América do Sul sofre da doença endêmica dos golpes ditatoriais e de registros históricos de opressão grupal inequívocos, cerzidos nos estamentos sociais menos favorecidos: atos grotescos pejados dos barbarismos da autocracia.
O que se me apresenta como curioso, no mínimo, é que, consumada a ação de fazer, de trazer à tona a palavra poética no conjunto verbal, vale dizer a materialização das ideias pelo criado e criador “condenado ao pensar”, corporifica-se no poeta-autor a síntese dialética representada no poema como lavratura memorial de que o mundo, enfim, mudou, corrigiu-se – justo neste piscar de olhos de sua confecção.
E, no intimismo do insatisfeito reclamante, a ação libertadora desencadeada no conjunto textual supre algumas precariedades íntimas, frutos naturais das falências do lapso temporal anterior ao nascimento de sua composição com laivos e foro do condão mágico ressuscitador da Poesia.
Todavia, tanto no lugar comum da vida, bem como em arte poética, mercê de sua mágica, o objetivo é sempre a conquista da vida boa, o encantador bem-estar, a felicidade, inda que momentânea, e o saudável ritmo de inusitada alegria, pessoa a pessoa.
É por este sentir que o “andar de mãos dadas” dos enamorados em qualquer faixa etária, tem o sabor gostoso das descobertas e inocentes jogos da infância.
Num repente, parece estarmos a salvo da finitude – a sanha fantasmagórica e percuciente da roleta dos dias em direção ao Rio Profundo. Porém, as águas deste engolfam até a peça estética com preponderantes pitadas de Poética.
É tão só uma questão do tempo de esperar sem desesperar, ainda mais quando o agente criador recebe das mãos mágicas do Mistério a benemerência de um longo viver.
MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro, 2022. https://www.recantodasletras.com.br/escrivaninha/publicacoes/preview.php?idt=5106248