A palavra desconhecida

Era temporada de férias. Aquelas férias longas que não existem mais, aquele época gostosa que passava lentamente como o tempo em que as flores se transformam em frutos. Como em todas as interrupções das aulas, estávamos na fazenda. Papai falou com mamãe que precisava fazer uma visita aos amigos da Fazenda São Lourenço, distante uns 5 km da nossa. Era de fato uma viagem.

Tudo foi preparado para o passeio. Papai foi no cavalo do Tio João, irmão dele, que era um cavalo reprodutor e arisco. Meu irmão montava o Zanho, o maravilhoso cavalo de sangue inglês do papai. Mamãe foi na Falua, que era uma égua muito mansa e parecia uma rede de tão macio era o seu trotar. Fui na eguinha da raça pequira, presente de batismo do meu padrinho Janjão, que acompanhou toda a minha infância. Foi através dela que tive a primeira frustração na vida. Eu a queria muito bem, mas ela gostava de morder e não retribuía o carinho que eu lhe dedicava. Era só descuidar um pouquinho, ela voltava o pescoço e tentava morder o meu pé. Para que ela não tivesse sucesso nessa intenção, eu tinha sempre o cuidado de ter os pés protegidos no estribo. Um detalhe curioso que chamava a atenção das pessoas – a sua crina era exatamente da cor dos meus cabelos.

Mamãe não tinha o costume de cavalgar e, por isso, não conseguia controlar a Falua. Em todo momento, ela se aproximava do cavalo rebelde, incontrolável, que ia a sua frente, o cavalo que levava o me pai. Aquilo deixava a minha mãe cheia de receios de que acontecesse alguma coisa. Mas nós não víamos perigo em nada e foi tudo muito divertido. Cada passo que os cavalos davam conosco, carregava o nosso coração saltitante de alegria.

Quando lá chegamos, fomos recebidos pelos donos da casa e passamos momentos agradáveis naquele ambiente acolhedor.

Durante alguns dias, carreguei na pontinha da língua a novidade que havia aprendido lá. Segurava-a firme como fazemos com a mão da criança quando a conduzimos pela rua. Tinha muito cuidado para que a novidade não se despencasse daquele local inseguro. Numa noite, dessas bem frias, ouvindo o toque suave dos pingos de chuva caindo no telhado, com as mãos carregadas de um carinho bem quentinho, mamãe ajeitou o cobertor até ao meu pescoço. Percebi que havia chegado a hora e não poderia deixá-la escapar. Ia finalmente tirar a novidade da pontinha da língua. Toda importante, falei:

— Mamãe, aprendi um jeito diferente de se despedir das pessoas!

— Aprendeu? Como é? – gotas de sono pingavam dos olhos dela, mas mesmo assim ela demonstrou interesse.

— Tedurdia – falei radiante.

As gotinhas de sono se dissiparam dos olhos de mamãe e ela começou a rir.

— O quê?! – perguntou num misto de espanto e curiosidade.

— Teturdia – repeti. A senhora não viu aquela mulher que se despediu lá na Fazenda São Lourenço? Ela foi saindo e falou com os que estavam lá: “Teturdia!”

Nesta hora, mamãe entendeu aquela palavra diferente e explicou:

— Minha filha é “Até outro dia”. É porque ela fala emendando as palavras.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 17/01/2015
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