Mais uma chance ao amor

21h38min. Ele deveria estar pensando em todo o trabalho que teria que fazer no dia seguinte, assistindo a algum filme interessante, fazendo qualquer coisa útil ou até mesmo dormindo, mas está olhando para o casaco sobre o sofá. Para todos os presentes que foram devolvidos. Para o porta-retrato que se transformou em mil pedacinhos de vidro. Para a foto rasgada em sabe-se lá quantas partes. Inspirando com força para tentar sentir algum sinal do cheiro dele. Mordendo o lábio na tentativa de sentir o gosto daquele último beijo. Ele tenta se iludir, tenta acreditar que aquilo não passou de uma tempestade e que o céu logo vai ficar azul de novo. Tenta se forçar a crer que foi tudo um pesadelo e que um novo dia está prestes a começar. Mas ele sabe que tudo isso é em vão.

Seu coração ainda bate num ritmo bem diferente do normal. Sua mente ainda pensa em alguma maneira de tentar conquistá-lo de novo. É claro que não vai conseguir, mas ele não desiste. Ele ama o Fê acima de tudo. Ama um pouco mais do que imagina. E, além disso, ele precisa dele. Dos conselhos, do sorriso torto, do olhar profundo, da risada alta, da voz rouca, do jeito calmo, do caminhar lento, do cabelo desgrenhado, da respiração controlada, das palavras mais sinceras, do aperto de mão suave, do carinho, do abraço apertado, do beijo, do calor do corpo dele, da música ao pé do ouvido antes de dormir. Ele sempre soube que seu mundo cairia se algo acontecesse, mas nunca imaginou que algum dia iria acontecer. O amor entre eles sempre foi tão grande. Eles eram Mafê. Acontece que Mafê sem Fê fica sem felicidade e resta apenas mágoa.

Matheus continua observando o espaço ao redor, imaginando como tudo seria melhor se ele não fosse tão ciumento. Como ousou desconfiar do Fernando? Como conseguiu duvidar do cara que sempre amou, como conseguiu olhar para aqueles olhos castanhos sem perceber que havia sinceridade neles? Como não percebeu que todas aquelas palavras eram verdadeiras e que o Fê jamais o trairia? Math só podia estar louco quando fez tudo isso. Ou bêbado. Ou cego pelo ciúme. Mas a merda já estava feita. Não dava para consertar o erro. Que pena que não inventaram um controle que permita apagar alguns momentos.

Sem saber o que fazer, ele encontra forças e levanta daquele canto abafado da sala. Passa a mão pelos cabelos, ajeita as roupas e pega a chave do carro. Corre para fora do apartamento sem se dar o trabalho de trancar a porta. Nunca é tarde para pedir perdão, mas a floricultura tem horário de funcionamento. Ele desce com pressa até a garagem, entra no carro e sai dirigindo mais rápido do que deve. Vai até a floricultura e escolhe rosas vermelhas. Rabisca meia dúzia de palavras no cartão. Passa no supermercado mais próximo e compra uma caixa daqueles horríveis bombons com amêndoas que ele odeia, mas o Fê adora. Volta para o carro e, acima da velocidade máxima permitida, dirige até o prédio do namorado.

Pernas tremendo, coração batendo fora do peito, braços arrepiados e respiração cortada. A temperatura passa dos 35 graus, mas ele sente um frio estranho percorrendo seu corpo. "Não fica nervoso", diz em pensamento. Implora ao porteiro para não avisar que ele chegou. Pede pela vigésima sétima vez. Pede em nome de todos os santos existentes. Ameaça ficar de joelhos. Diz que é tudo por amor e, finalmente, consegue amolecer o coração do cara de péssimo humor. Antes que o homem mude de ideia, ele vai até o elevador. Droga, está ocupado. Impaciente, caminha até a escadaria e suspira ao lembrar que irá subir até o nono andar. Tenta respirar fundo e começa a subir. Degrau por degrau. Andar por andar. Enquanto sobe, Math pensa se está fazendo a coisa certa. O cérebro diz não, mas o coração diz sim. Ele geralmente escuta o coração. Se dependesse do cérebro, ele estaria se preparando para ser um cirurgião rico e infeliz. Como sempre ouviu o coração, é um arquiteto que trabalha demais, mas ama o que faz.

Enfim chega ao apartamento 934. Fecha os olhos, conta até mil quinhentos e noventa e dois. Respira. Conta mais um pouco. Respira de novo. E, num surto repentino de coragem, bate na porta. Sai do campo de visão do olho mágico e não responde quando Fê pergunta um ríspido "quem é?". Só se aproxima quando escuta o barulho da maçaneta. Porta aberta. Um rosto esperançoso, outro sem expressão. Porta fechada.

- Fê, por favor! Eu preciso te dizer uma coisa.

- Você já disse muitas coisas hoje, Matheus. Coisas horríveis.

- Eu sei que errei, mas queria...

- Que bom que sabe que errou! Agora pode voltar para sua casa, pois você não tem o direito de querer nada comigo.

- Me perdoa, amor.

- Então é assim? Você acha mesmo que três palavras podem apagar todas aquelas de antes?

- Não, Fê, eu não acho. Mas eu realmente sinto muito. É claro que eu deveria ter pensado antes de te acusar, mas não foi de propósito. Me perdoe por ter perdido o controle hoje cedo. Eu quero que você saiba que só perdi o controle porque achei que estava perdendo você.

- E realmente perdeu.

- Não diga isso, Fernando. Eu não suporto a ideia de ficar longe de ti. Por favor, me dá uma chance. Eu prometo que não vou mais agir dessa forma. Eu nunca quis te magoar, meu amor. Seria ótimo poder voltar no tempo e não ter feito nada do que fiz mais cedo.

- Mas não pode!

- E será que você não pode me perdoar? Não pode dar uma nova chance para nós dois?

- Pense se fosse o contrário, Matheus. Você me perdoaria? Daria uma chance?

- Com certeza.

- Por que você faria isso?

- Porque eu te amo além das medidas. Porque o mundo não faz sentido se eu não tiver você por perto.

- Eu também te amo, Math. Me desculpa por não ter entendido seu lado. É que...

- Fê, não peça desculpa. E também não fique se explicando, ok? Só abra essa porta logo!

Risadas. Porta aberta. Mais risadas. Abraço forte. Algumas lágrimas. Um beijo. Muito amor envolvido. Porque o amor não precisa ser explicado ou justificado, apenas sentido.

Lillian Cruz
Enviado por Lillian Cruz em 16/01/2015
Código do texto: T5103742
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