O VELHO DO CHAPÉU COCO AZUL
O velho caminha apressado, descendo por uma calçada no Bairro Taveirópolis. É um senhor magrinho da pele bem clara, os olhos pequenos e redondos e a boca sem carne que parece um risco. Usa roupa tão antiga quanto ele, que certamente retirou de um daqueles guarda-roupas de outrora, cujas madeiras apodreceram e aos poucos foram devoradas pelos cupins. Trás a camisa de algodão bem passada, a calça de linho puro perfeitamente alinhada e os sapatos marrons engraxados com esmero. Mas o que realmente chama a atenção é o chapéu coco azul escuro, tornando a sua figura uma espécie de personagem de Pirandello. No outro dia ele aparece novamente, a calça e a camisa são outras, os sapatos e o chapéu azul permanecem os mesmos. Aonde ele vai com tanta pressa? Um dia resolvi estacionar e observá-lo de dentro do carro. Ele para diante de uma velha Kombi que o dono faz de quitanda, apanha pedaços de abacaxi que leva rapidamente à boca e seu rosto se abre num sorriso. Depois retorna pelo mesmo caminho. A cena se repete todos os dias pela manhã. Sofro dos males da curiosidade e a custo controlo a vontade de lhe perguntar o nome e onde comprou aquele magnífico chapéu azul. Eu sou colecionador de chapéus. Compro todos que vejo e não uso nenhum. Então resolvo dar-lhe um nome em meus pensamentos. Como ele deve ter mais de oitenta anos, se fez necessário um nome antigo: Euclides. E um belo dia Euclides não apareceu, no outro também não e eu já imaginei aquele corpo magro, sem o chapéu coco, estirado num caixão. No terceiro dia, satisfeito, percebi que ele descia a Rua na pressa de sempre, as mesmas vestimentas, o chapéu azul escuro em destaque, se dirigindo até a velha Kombi estacionada. E eu já não me lembrava do nome que lhe dei. Detesto quando isso acontece, a resposta está na ponta da língua, mas o cérebro insiste escondê-la. Dou-lhe outro nome: Pacífico, que logo desisto, lembra oceano e aquele senhor merece algo que simbolize com clareza a serenidade dos seus gestos. E fico estalando os dedos na busca de outro nome de velho, que logo surge: Abelardo sorri enquanto come uma banana e eu fico perdido em pensamentos, a imaginar que aquele senhor já foi jovem algum dia, que se perdeu em aventuras inesquecíveis, conheceu os caprichos do destino, o bom sabor de algumas glórias, assim como o gosto amargo da traição. E quando dou por mim, estou me aproximando da Kombi, ansioso ao me perceber ao lado do divino chapéu coco azul. Não falo nada, descasco uma mexerica e fico com os olhos de tocaia enquanto busco na mente uma forma de confrontá-lo. Súbito o vendedor de frutas se aproxima de Abelardo, que enxuga com um lenço a testa encharcada de suor, e dele se despede com um “até mais, Fernando”, e eu fico chateado ao ouvir o nome de gente nova. Talvez aquele senhor não fosse tão velho como pensei, e agora já nem sei se o chapéu era realmente azul. Volto para o carro sobraçando dúvidas.