Je suis Charlie? Peut-être...

          Dias atrás, parisienses venderam milhares de uma única identidade: Eu sou Charlie, extensível a Eu sou Charlie Hebdo ou Eu sou Charlie Hebdo Journal, declarando os portadores desses avisos como solidários às vítimas dos cartunistas franceses, assassinados barbaramente por “terroristas”.  Eu sou Charlie? Talvez... Comungo com todos os revoltados diante dessa criminosa chacina de homens de imprensa, no entanto, preservo a liberdade de refletir sobre seus injustificáveis motivos e sobre generalizações, discriminações e utilizações ideológicas e políticas do caso; de emergir do tsunami da comovida massificação, para observá-lo e analisar o posicionamento das águas... Por exemplo, as lojas dos muçulmanos, franceses ou não, destruídas, na inflamada Paris, em nada difere da “Noite dos Cristais” praticada pela Gestapo sem farda a mando hitleriano. Tais reações incitam o islamismofobia.
          O discernimento sabe distinguir os fatos, os atos e as pessoas, para, depois, sobre isso, emitir opinião, evitando-se agir ao sabor do medo, do subjetivismo. Nesse sentido, ressalto o texto do teólogo Leonardo Boff: “Eu também não sou Charlie”.  Considero também “terrorismo” as chacinas oficializadas no Médio Oriente, em Jerusalém, na Faixa de Gaza, soterrando crianças nas escolas, no caminho ou nos arredores da sua casa; doentes, nos hospitais; leitores, nas bibliotecas, ou fiéis orando na igreja, na mesquita ou na sinagoga. Matam inocentes para combater o terrorismo, mas, se também causam terror, são terroristas; e é possível ser antiterrorista sem ser terrorista...
           Leonardo Boff relata que Charb, uma das vítimas, pronunciou: “É preciso que o Islã esteja tão banalizado quanto o catolicismo”. Boff pergunta: “É preciso por que? Para que?”  Nesse contexto, confesso respeitar todas as religiões e também ouso gostar do  “homem risível” de Aristóteles, mas em termos que não desrespeitem o sagrado e os seus símbolos. É intolerável que algum evangélico ou blibicista ultraje santos católicos; que católico, orixás e Iemanjá dos cultos umbandistas; ou que muçulmano, tradição e valores do sionismo. Enfim, constrange-me a blasfêmia contra Deus ou contra deuses pagãos; evitar dizê-la não significa perda de liberdade. A religião islâmica preceitua não permitir zombarias a Maomé. Porém, esse preceito contrariado não justifica a violência dos encapuzados, condenada pelo próprio Maomé. Tenho a liberdade de blasfemar?  Ora, o livre arbítrio possibilita a liberdade de errar. Contudo, nem tudo que posso devo. O Le Monde, de 14 de janeiro, é objetivo:
“Charlie, une blessure arabo-française” ou ambas as partes saem feridas, menos os que foram mortos...
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