Visão de Ninhos
Dia desses, um par miúdo de pássaros de abdome amarelo e dorso verde-escuro deu para espreitar, com flagrante suspeitosidade, um dos xaxins que ficam como pêndulos presos à viga de minha varanda. Se não os nomeio é porque não sou ornitólogo; se não pesquiso, porque me impede a preguiça. Mas o meu vizinho, que também os percebeu e cuida lá de suas gaiolas, me adiantou tratar-se de um casal de gaturamos, e que ali os dois estão a preparar um ninho. De fato, e agora com olhar acurado, já posso acompanhá-los na elaboração meticulosa de seu pequenino e frágil esconderijo. Deve haver algumas dezenas de finíssimos gravetos, escolhidos “a bico” na natureza, e que irão compor, com esmero, aquele novo lar que irá acolher os descendentes.
Da fachada posterior da casa, que é banhada pelo pôr do sol, acompanho uma construção de alvenaria. Por certo, não é o casal proprietário que a levanta. Há seis ou sete pedreiros, incluindo o mestre e mais a arquiteta contratada para as visitas diárias. Um a um, os tijolos, que não foram escolhidos a mão, crescem aprumados e obedientes, e se alastram, padronizados, sobre o piso previamente calculado. A autora do projeto, sobre a laje, instrui e vigia os trabalhadores. Já do outro lado, o do sol nascente, o gaturamo macho, pousado sobre um galho próximo, faz a vigilância do ninho contra possíveis predadores. Na construção deste ninho, ao acompanhá-la bico a bico, vejo a receita simples, no seu livro aberto, de como preparar o saboroso prato da harmonia. Os ingredientes e o modo de fazer estão todos lá:
“Uma pitada de macho e outra, sutil, de
fêmea;
gravetos a gosto, retirados in natura.
Misture a essência dos gêneros, de modo que
se completem, gradualmente, em uma única
forma indivisível;
deixe-a a descansar, por um período mágico,
e a observe, apenas.
Serve duas porções
(que podem gerar
frutos)”.
Já no extremo oposto - o dos tijolos ao sol poente -, não há ingredientes que, passo a passo, nos mostrem uma natural e original mistura...