Nem trem nem estação
O sono me levou para a saudosa estação do Arrayal. Lembranças dos comboios da Great Western, o meu pai ensinando telegrafia na estação. “ A Maria Fumaça arrotando faíscas de sua fornalha. A locomotiva apitava ao passar antes dos cruzamentos, soltando fumaça em desenhos, pela sua chaminé...” (O ferroviário, 1980).
Logo depois da estação a estrada de ferro seguia pela Macaxeira e, pelas matas dos macacos, para Camaragibe. Vi como o local mudou daquela época para cá, os trilhos enferrujavam nos dormentes porque por lá não passavam mais trens. A estação havia fechado para construção de uma avenida. Era o progresso. Ficara só na lembrança aquele movimento de trens de carga, tropa do Exército, manobras, manutenção e limpeza de vagões e reabastecimento das locos-escoteiras. Os meninos sentiam saudades das “morcegadas” (pulos que davam para pegar o trem, troles ou nos limpa-trilhos das locomotivas-escoteiras em movimento) e das viagens de trem da antiga Floresta dos Leões (Carpina) para o Recife.
Bom, sábado, 10 do corrente mês, me acordei com a visita do meu amigo Azambujanra pela manhã, como sempre, em minha casa, contando que “não temos que ficar calado”. Apesar do que já sofri, considero –me recompensado porque estou cumprindo um dever profetizado pelo meu querido pai, quando vivo. Fico revoltado com a falta da preservação histórica com o patrimônio público. Já denunciei sobre as antigas estações das estradas de ferro, a antiga Great Western, sobretudo a de Casa Amarela, que tinha o nome de Arrayal. “ É de dar dó. A histórica e esquecida estação do Arrayal (que fora chefiada pelo meu pai, Euclides de Andrade Lima), foi desativada em 1952. Encontra-se descaracterizada e sem tombamento. Retiraram o nome Arrayal gravado na parede e em relevo. O prédio da estação hoje serve de abrigo para uma família, quando deveria ser preservado. É a nossa hitória.” ( Crônica sob o título “Antigas estações esquecidas com o tempo”).
Mas, agora cabe às autoridades constituídas tomarem as devidas providências, que já deveriam ter sido feitas há anos passados!
- Tem ido ver como está agora o prédio da estação? – perguntou Azambujanra.
- O ano passado passei por lá e notei a parte que era o armazém para bagagens e os sanitários, demolida.
- Estive lá e conferi isto que você está me dizendo. Sabe o que existe agora na parte que era a sala telegráfica? Um “Super Bar do Brega”. E quando falei que tenho um amigo escritor, e que na maioria de seus livros o tema é sempre sobre ferrovia, sabe o que um negão mecânico me disse sorrindo? - Eu tenho um livro que cita todas estações ferroviárias, inclusive essa do Arraial... – Foi entrecortado por Azambujanra:
- Qual é o título do livro?
- Dkuproar – respondeu rindo.
- É francês o autor?- perguntou Azambujanra.
- Subaimin, é africano – continuando rindo.
Azambujanra, percebeu que ele o estava levando ao ridículo. Então, resolveu levar na esportiva, até porque a princípio pensou que o título do suposto livro era em francês. E achou por bem me contar essa conversa, sobre a qual tinha certeza que eu iria escrever mais uma crônica bem humorada. E, para encerrar aquela conversa, disse ao homem:
- Eu tenho também um livro cujo o tema é ferrovia e o autor se chama Takuku Nakara. Ele escreveu sobre o assunto e o título do mesmo é ”Trem Bala”.
Bem, fomos lá tirar algumas fotos que ilustram a referida crônica. No domingo, subimos ao Morro e bebemoramos mais uma vez a nossa arte literária.
Enfim, termino esta crônica com a poesia intitulada “Trem Fantasma”:
Trem fantasma(1)
Sonhei com o trem da Gretueste
Passava na então estrada de
Ferro Norte
Hoje Avenida Norte.
Com o apito saudoso da
“Maria Fumaça” (partiste)
Soltava fumaça em desenho
Deixando pela linha afora
Um cheiro saudoso do
carvão-de-pedra
Desfilavam os postes com
seus fios telegráficos
Placas em vermelho com
letras brancas:
P.N. apite e pare, olhe-escute.
Na passagem de nível
Os maquinistas são
obrigados a apitar
Pois o símbolo antecede um
cruzamento:
Estrada rodoviária com a de
ferro, no mesmo plano (chegaste)
Hoje o trem não passa
O trem que não esqueço
Do Brum ao Arraial,
Nas paisagens verdejantes da
Zona da Mata (passaste)
Quando em 52
Foi desativada a linha férrea
Ficou a estação do Arraial
Esquecida e abandonada
Fantasmagórica
Eu vejo o trem fantasma
A Maria Fumaça arrotando
faíscas de sua fornalha...
É a partida do último trem...
(1)Folha de Pernambuco – 01/09/2004.
Extraído do livro: “Trem Fantasma"- p.49 - Ed. 2005.
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