Quem é Charlie?
Charlie, ele, ele mesmo, para muita gente só existiu porque morreu e virou notícia. E porque morreu de forma violenta, brutal. Mas não morreu só ele! E também porque os horários nobres da TV, a Internet e as capas de jornais e revistas do planeta estão lotados de Charlies. Vamos que morra agora um ídolo entre tantos e Charlie desocupa a moita. Assim é a humanidade. Por que é tão difícil se acostumar? Por que tantos se encarregam de nos lembrar de misérias perto ou longe de cada um de nós? Teria dito (ou citado) um dos jornalistas do Pasquim (saudoso Hebdo brasileiro), o Tarso de Castro, que a dor e o prazer pessoal são intransferíveis. Isto é, a minha dor e o meu prazer são os maiores e só eu sei sobre eles. Por que não largamos o saco no chão e assumimos que gostamos de ser, de ter, que nos achamos e que adoramos aparecer? E, se assim, selfies somos, o que há de estranhável em reconhecer que aprendemos, cultivamos, absorvemos que tudo em Paris é três chic, inclusive morrer? Nesse sentido, nous sommes Charlie. E quem nos convence de que a morte de seja lá quem for é tão lamentável quanto morrer Michael Jackson, Elvis, Elis, Lady Di? Abandonaríamos qualquer velório para nos enfiar nas imensas filas dos que se despedem dos famosos em prantos convulsivos e desmaios. Mesmo nada tendo a ver e nada sendo, sequer empregado do falecido. E somos nós que, incautamente, vivemos dizendo que a morte a todos iguala! Em nada somos iguais, em ambiente algum, quer real, quer virtual, quer transcendental. Veja que uns seguem para o céu, outros para o inferno e mais uns para o purgatório. Notar as diferenças talvez seja uma razão que justifique pessoas comuns e anônimas orarem para que um político escape da morte e chorarem por VIP, uma gente que dela também não escapa. No caso de Charlie, esse não era assim tão conhecido e cantado em bola e prosa como o Neymar, por exemplo. Quanto a Charlie, trata-se de Paris. Portanto e porque em francês também rima, diga agora JE SUIS PARIS.