OS CANTEIROS DE CIMENTO

Eles me chocam.

Deus! Onde as petúnias e bocas de leão floriram hoje o vazio me fere.

As cabras moram em minha lembrança.

Posso vê-las, claro! E ouvir o balir.

Os ranchos estão vazios. Meus castelos de sabugos desmoronaram.

Meus sonhos todos...

O cheiro da terra, do capim recém-cortado.

Aquelas flores noturnas.

A menina vivendo intensamente tudo.

Os bambuais, a água cantando nos riachos.

As amoreiras a se balançar, as jabuticabeiras...

A mana de avental sempre impecável e o meu todo sujo de terra. Terra, terra...

O meu cabelo desfeito, as fitas escorregando, os cachos pelas costas.

Os primos...

As festas de aniversário. Guaraná caçulinha e cocadas. As minhas preferidas eram cocadas em fita.

Meu pai, e as explicações sobre a natureza; sobre plantio, colheita.

Mamãe, tão meiga! Sempre a cantarolar e a trabalhar.

A terra está lá como sempre esteve.

Tudo mudou, mas as lembranças ficaram em cada canto.

As tempestades de hoje me recordam um tempo que eu corria a me esconder debaixo da mesa.

Os trovões, os raios...

As manhãs eram especiais. No tempo em que as jabuticabeiras floriam e os cafezais...

Meus olhos se recusam a olhar o cimento cobrindo o jardim das minhas lembranças.

Melhor não olhar, melhor ignorar.

A terra é a mesma, o tempo é outro.

A menina ficou morando nela. A menina guarda dentro de si um reino encantado. Um mundo de pureza inteiramente intacto. Tudo está guardado.

SONIA DELSIN
Enviado por SONIA DELSIN em 12/01/2015
Código do texto: T5099400
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