Tocando o terror

Não sei se vocês sabiam, mas aconteceram alguns ataques terroristas na semana passada. Foram cometidos, talvez vocês imaginem, por radicais islâmicos. E, como é de se supor, deixaram muitos mortos. O que vocês certamente não sabem é que eu não estou falando da França, mas da Nigéria. Entre os dias 3 e 8 de janeiro, o grupo radical islâmico Boko Haram matou aproximadamente 2 mil nigerianos – talvez seja melhor escrever por extenso: dois mil nigerianos. O número é apenas uma estimativa, pois há corpos demais para que alguém possa contar. A maioria de crianças, mulheres e idosos que não conseguiram escapar dos radicais. Este já é considerado o mais mortal ataque do grupo. E Camarões já começa a se preocupar, porque ameaçam cruzar a fronteira.

Até o momento em que escrevo esta crônica, não me consta ter havido alguma comoção popular no resto do mundo diante do massacre cometido contra os nigerianos – também não vi ninguém postar nas redes sociais imagens do tipo “Je suis nigériane”. O chocante atentado na França tem a seu favor o fato de ter acontecido na França – e logo em Paris, a cidade para a qual todos nós acendemos uma vela em devoção. As notícias dizem que o número de mortos na França, incluindo os terroristas, já chega a 20 (vinte). Se ando bom de matemática, isso significa 1% do que morreu na Nigéria nos mesmos dias.

Mas um nigeriano é alguém que nasceu na Nigéria – vale, pois, bem menos que um francês. E, além do mais, ninguém ali morreu por falta de liberdade de expressão (ou de impressão, no sentido que costuma ser empregado). Historicamente, a África está mais sujeita a conflitos dessa natureza, de modo que não há muito motivo de espanto quando irrompe um período de maior violência por lá. Na civilizada França é que não podemos admitir que inocentes percam as suas vidas por conta de atentados terroristas.

São razões que, mesmo inconscientemente, devem nos ocorrer para justificar tamanha diferença de tratamento. Somos Charlie, mas não somos Nigéria.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 12/01/2015
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