O sonho de Ramon

Ramon está em Belo Horizonte, sozinho, sentado num café, esperando sua livraria preferida abrir. O tempo está perfeito: frio, céu nublado, sem chuva. Um aroma doce de café e canela enche o ambiente de aconchego e alegria. Uma mulher entra esfregando as mãos; na mesa ao lado, um rapaz sorri para a namorada; noutra, um senhor de óculos lê um livro de Morris West; homens e mulheres de várias idades conversam, riem. Ramon espera, quase sem pensar, feliz por ter o dia inteiro só para si, uma sexta-feira ainda por cima. Está calmo, em paz.

Enquanto toma seu capuccino, Ramon observa as pessoas no café, seus gestos e expressões, seus olhares, imaginando seus pensamentos, suas vidas. Do outro lado da rua, a funcionária da livraria começa a levantar as portas de ferro do que, para ele, é o paraíso, seu lugar preferido de se largar, de não existir para o mundo, de estar só consigo mesmo, de sonhar. A livraria. Sua livraria.

O sonho de Ramon é ter uma livraria-editora, formar leitores, incentivar escritores a escrever, ajudá-los a realizar seus sonhos – como Sylvia Beach, da "Shakespeare and Company", em Paris, nos anos 20, que acolhia escritores e poetas e os ajudava: a primeira edição de "Ulisses", de James Joyce, foi publicada por ela. Ramon não pensa tão grande assim, só quer ter uma boa livraria, editar livros de autores desconhecidos, mas talentosos, e continuar escrevendo seus contos e crônicas, participando de eventos literários, lendo. Ramon sonha com isso toda vez que entra numa boa livraria. Pensa em investir suas economias num negócio que dê dinheiro suficiente para manter sua família com dignidade – um bar, ou uma loja de som para carros, ou uma boutique – e colocar sua esposa para gerenciá-lo; ele pediria demissão do seu cargo burocrático – ficaria só como professor – e montaria sua livraria. Impossível? Não.

Ramon percorre calmamente as fileiras de livros de sua livraria preferida, abre um aqui, outro acolá, lê fragmentos de histórias, poesias, e se emociona com a beleza das frases, com a magia das palavras. (Uma vez ele leu um livro inteiro da Clarice Lispector, em pé, nessa mesma livraria, um livrinho infantil, pequeno, que ele adorou e resolveu comprar para um casal de amigos escritores).

Ramon caminha a passos lentos, desobrigado de tudo. Na estante de livros em francês, pensa seriamente em retomar seus estudos na Aliança Francesa. Seria uma boa. Transformaria seu escritório numa pequena sala de aula e daria aulas de francês para pequenas turmas. Quem sabe? Na estante de livros de Teoria e História da Literatura, pensa em tentar um pós-doutorado em Letras...

Ramon recoloca na estante um livro de contos do Charles Bukowski e sai para tomar mais um café. Lembra-se que à noite sua mulher fará filé de peixe grelhado e que ele abrirá um vinho português do vale do Douro...

Ramon está feliz.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 10/01/2015
Código do texto: T5097001
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