Cronos
O tempo passa para qualquer um. O tempo não só passa como desmente o bom profeta. Cada acaso no seu caso. O tempo é matéria gulosa. Somos as guloseimas, os carboidratos, os ésteres, as gorduras.
"Não contei cinco amores desde que perdi a mulher da minha vida, preciso de tempo para a conclusão da perda." Todos andam precisados de tempo para a conclusão de suas incríveis perdas.
Se o tempo fosse uma tela, pintava-a toda de um azul tenebroso começando pelas bordas e, circularmente, terminaria por chegar ao centro. Que seria o centro? Um convite aos ciclos naturais? A cova última da decomposição? De modo algum! Ontem mesmo conclui que o centro é o certeiro clímax do ser, a obra retumbante do acaso, regurgitando incompletos quadros de uma brancura criativa. Todos seriam pintores por excelência, desde a primeira infância, seguindo suas carreiras temporais maldosas... Malditos.
Pergunto-me se não estou sendo estranhamente precipitado, afinal, estou a falar do tempo! De nada precisa além de ser povoado pela existência. De nenhuma tela, de tinta azul metida, de nada. Nada mesmo! É claro que se, por puro sadismo, trocassem pincéis cronológicos por canivetes pitorescos, assassinos do tempo. Veríamos os acontecimentos retalhados, navalhados, completamente pessoais. Uma confusão!
Todos pintando seu tempo recluso, egoístas, concentrados, mudos. O tempo é de todos, todos merecem uma horinha. Vamos lá, o tempo é de todos.
O tempo não espera a literatura, não espera a fumaça ideológica dos que tragam o próprio umbigo. Não digo que um anule o outro, dependendo do caso até completam-se. Agora, se com a genialidade da imaginação, o tempo viesse a ser aniquilado. Restaria a limitação do espaço, o corpo musical do espaço. Apesar de, fisicamente, os dois serem uma só entidade, julguemos o tempo um trato niilista.
Cerrem os olhos, fechem as almas! O espaço é muito tarde para ser visto. Seríamos todos incinerados pelo calor homérico de todos os acontecimentos que, vagando em estado de plasma, sem lugar para ir, dormiriam numa nova geometria que logo entraria em colapso, sem leis da ciência, sem controvérsias.
Observo o tempo da janela, que diria Álvaro de Campos? O tempo dá a luz ao resíduo, ao “anti-herói” numa tarde de sexta feira, não precisa de absolutamente nada, completa-se no infinito, esconde-se nos jornais, nos "Multiversos". Eu aqui falando cada bobagem.
Que diacho! Estou mesmo é perdendo tempo...